segunda-feira, 24 de junho de 2013

MUITO ALÉM DO “PÃO E CIRCO”

Por Belcorígenes de Souza Sampaio Júnior

Esse é o principal grito das ruas no atual Brasil: “basta de apenas pão (bolsas/esmolas/migalhas) e circo (estádios/copas/distrações)”. O velho aforismo latino (panem et circenses) se desgastou na terra brasilis tão, outrora, acostumada a dicotomicamente vergar-se ante o clientelismo e o látego; o afago e o desprezo dos poderosos. A política rasa e alienada do "beija mão" foi varrida pela força de um insofismável brado retumbante. A pátria amada não quer mais ser a terra de um amanhã que não amanhece nunca, e o povo heróico e cansado não aceita mais as sobras dos fornidos senhores da corrupção. O sangue derramado nos corajosos enfrentamentos com o aparato policial truculento e desorientado é uma demonstração inequívoca de que os filhos, e herdeiros, dessa querida terra não fogem, e não fugirão, à luta.

Mas a mensagem desse democrático "movimento social" (poeticamente espontâneo e suprapartidário) é maior do que apenas rechaçar “tudo isso que ai está.” Ele reflete uma tomada de consciência coletiva e uma mudança de postura da parte do povo, soberano detentor do poder. Antes de tudo, a "expressão" das ruas demonstra uma cisão, uma ruptura radical com o modelo político atual, uma verdadeira realocação dos paradigmas das políticas públicas praticadas no Brasil, o que já não era sem tempo, afinal sendo o Brasil um país rico, não se pode mesmo pretender que o povo tenha que aceitar passivamente que bilhões de reais possam ser desperdiçados em superficialidades, ou desviados pelo ralo da corrupção e da imoralidade administrativa, enquanto faltam transporte, saúde, educação, segurança e VIDA de qualidade.

Salve, salve o guerreiro povo brasileiro.

( "TODO PODER EMANA DO POVO ..." - Parágrafo Único do Artigo Primeiro da Constituição Federal de 1988 )

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PARA REFLETIR:

Profecia sobre o que está ocorrendo, registrada em vídeo no 14º Congresso de Louvor e Adoração Diante do Trono, em Belo Horizonte, entre os dias 28 e 30 de março de 2013 (PUBLICADA NO YOUTUBE EM 10/04/2013 ).

https://www.youtube.com/watch?v=GgnRFX70Ubg&sns=fb


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domingo, 7 de outubro de 2012

OS MALES DO BRASIL


Por Roberto Pompeu de Toledo

ESCOLHA UM CANDIDATO QUE SE COMPROMETA A NÃO REALIZAR NENHUMA OBRA NOVA — NENHUMA! –, MAS MANTER E FISCALIZAR AS EXISTENTES

Muitas cidades deste vasto Brasil dispõem daqueles semáforos com botões que, apertados pelos pedestres, prometem lhes proporcionar a vez de atravessar a rua. O nome científico do equipamento é “botoeira”, segundo se lê nos textos dos órgãos de trânsito. Há pessoas que não acreditam neles. Seriam tão eficazes quanto uma caixa de papelão pespegada no mesmo local. Há razões para isso. Não poucas vezes aperta-se o botão e nada.

Os mais afoitos então o apertam e reapertam, seguidamente, como se quisessem despertar o duende lá dentro que fará o mecanismo funcionar. Também ocorre de o pedestre aproximar o dedo e não encontrar o botão. Por desgaste ou vandalismo foi tirado de onde deveria estar, e o que resta é um buraco, qual desgraçado olho vazado. Em São Paulo há vários nessa situação. Quando serão consertados? E melhor esquecer. A cultura do conserto e da manutenção é alheia ao modo de ser brasileiro.

Continuemos nosso passeio pela rua. O que é verdade para as botoeiras será também para as calçadas. Aos buracos, afundamentos, calombos. corrosões e outras irregularidades que vierem a se instalar estará desde logo assegurada uma longa vida. Há buracos que chegam a comemorar dois, três, cinco anos de existência. A eles se junta o festival de diferentes calçamentos a que muitas vezes se está sujeito num único quarteirão; ao piso de cimento sucede o de pedrinhas, ao qual sucede o de ladrilhos, numa série de estorvos à caminhada à qual se soma a barafunda estética.

O incômodo não é apenas para os deficientes, os idosos ou as mães que empurram carrinhos de bebê. E também para quem possui as duas pernas e está no pleno gozo delas. Em muitas cidades, talvez a maioria, a responsabilidade pela manutenção da calçada é do morador. Sim, mas cabe à prefeitura fiscalizar. Quando virá a fiscalização? E melhor esquecer. A fiscalização, irmã da manutenção, também é estranha ao modo de ser brasileiro.

O passeio ainda não terminou. Imaginemo-nos no centro do Rio, esquina das ruas da Quitanda e Sete de Setembro. O poste que indica o nome dessas ruas, em vez de ereto, como se espera dos postes em pleno exercício de sua função e investidos de sua dignidade, apresentava-se, até há pouco tempo, tristemente vergado, ameaçando despencar sobre a cabeça dos passantes, e assim permaneceu durante dias, até ser flagrado por foto enviada por um leitor ao site do jornal O Globo.

Ao poste carioca correspondia um paulistano, também do tipo que exibe as placas com o nome das ruas, na esquina da Avenida Pacaembu com a Rua Margarida. Até pouco tempo atrás ele se encontrava na mesma situação humilhante, se é que não se encontra ainda. Cariocas e paulistanos, irmanados, confirmam a lei segundo a qual a falta de fiscalização e a falta de manutenção os males do Brasil são.

E quanto aos buracos no meio da rua? São nossos velhos conhecidos, indissociáveis da paisagem nas cidades brasileiras. Em alguns, tão profundos que capazes de ocasionar graves acidentes, almas caridosas fincam um pedaço de pau para alertar os motoristas, ou os cobrem com uma pedra. Tais almas caridosas sabem que até o poder público se abalar a corrigir a situação pavorosos desastres poderão ocorrer. Mais peculiar ainda ao modo de ser brasileiro que os buracos é a incapacidade de bem consertá-los.

O conserto costuma ser tão incompetente que resulta num calombo. Raras vezes o chão fica igualado como devia. Como resultado, o buraco é trocado por uma protuberância. Verdade que com frequência o conserto malfeito é obra das concessionárias de serviços públicos. que abrem o buraco para reparar fiações ou encanamentos e não o fecham direito. A fiscalização, no entanto, de novo cabe às prefeituras.

Estamos a poucos dias das eleições municipais. Os singelos exemplos colhidos neste passeio pelas ruas estendem-se às grandes coisas. Tal qual nas pobres botoeiras sem botão ou nos buracos miseravelmente mal tapados, também nas pontes e nos viadutos, nos hospitais e nas escolas, a falta de fiscalização e a falta de manutenção os males do Brasil são.

Daí que o colunista tenha uma sugestão a fazer ao eleitor. Escolha o candidato que se comprometa a não realizar nenhuma obra nova – nenhuma! -, mas a manter e fiscalizar as já existentes. Haverá tal candidato? Político gosta de inaugurar. Nada os entedia mais do que ter de fazer a coisa funcionar, depois. Mesmo porque isso pode ser deixado ao sucessor, que por sua vez estará empenhado em inaugurar algo novo, e não em manter o que foi inaugurado pelo antecessor. Não custa tentar, porém.
Esforce-se o eleitor, procure. Quem sabe exista algum diferente, aí na sua cidade.


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FONTE:

http://veja.abril.com.br/blog/ricardo-setti/politica-cia/roberto-pompeu-de-toledo-sugere-ao-eleitor-vote-num-candidato-que-se-comprometa-a-nao-realizar-nenhuma-obra-nova-nenhuma-mas-manter-e-fiscalizar-as-existentes/

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

A ÉTICA E A PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO HOJE

Por Mario Sergio Cortella

Filósofo e Professor-Titular do Departamento de Teologia e Ciências da Religião da PUC-SP


Ressaltemos desde o início: a ética é uma questão absolutamente humana! Só se pode falar em ética quando se fala em humano, porque a ética tem um pressuposto: a possibilidade de escolha. A ética pressupõe a possibilidade de decisão, ética pressupõe a possibilidade de opção.

É impossível falar em ética sem falar em liberdade. Quem não é livre não pode, evidentemente, ser julgado do ponto de vista da ética. Outros animais, ao menos nos parâmetros que utilizamos, agem de forma instintiva, não deliberada, sem uma consciência intencional. Cuidado. Há quem diga: “Eu queria ser livre como um pássaro”; lamento profundamente, pois pássaros não são livres, pássaros não podem não voar, pássaros não podem escolher para onde voam, pássaros são pássaros. Se você quiser ser livre, você tem de ser livre como um humano. Pensemos em algo que pode parecer extremamente horroroso: como disse Jean-Paul Sartre, nós somos condenados a ser livres.

Da liberdade, vêm as três grandes questões éticas que orientam (mas também atormentam, instigam, provocam e desafi am) as nossa escolhas: Quero? Devo? Posso? Retomemos o cerne: o exercício da ética pressupõe a noção de liberdade. Existe alguém sobre quem eu possa dizer que não tem ética? É possível falar que tal pessoa “não tem ética”? Não, é impossível. Você pode dizer que ele não tem uma ética como a tua, você pode dizer que ele tem uma ética com a qual você não concorda, mas é impossível dizer que alguém não tem ética, porque ética é exatamente o modo como ele compreende aquelas três grandes questões da vida: devo, posso, quero?

Tem coisa que eu devo mas não quero, tem coisa que eu quero mas não posso, tem coisa que eu posso mas não devo. Nessas questões, vivem os chamados dilemas éticos; todas e todos, sem exceção, temos dilemas éticos, sempre, o tempo todo: devo, posso, quero? Tem a ver com fi delidade na sua relação de casamento, tem a ver com a sua postura como motorista no trânsito; quando você pensa duas vezes se atravessa um sinal vermelho ou não, se você ocupa uma vaga quando vê à distância que alguém está dando sinal de que ele vai querer entrar; quando você vai fazer a sua declaração de Imposto de Renda; quando você vai corrigir provas de um aluno ou de um orientando seu; quando você vai cochilar depois do almoço, imaginando que tem uma pia de louça que talvez seja lavada por outra pessoa, e como você sabe que ela lava mesmo, e que se você não fi zer o outro faz, você tem a grande questão ética que é: devo, posso, quero? Por exemplo, quando se fala em bioética: podemos lidar com clonagem? Podemos, sim. Devemos? Não sei. Queremos? Sim. Clonagem terapêutica, reprodutiva? É uma escolha. Posso eu fazer um transplante intervivos? Posso. Devo, quero? Tem coisa que eu devo, mas não quero; aliás, a área de Saúde, de Ciência e Medicina, é recheada desses dilemas éticos. Tem muita coisa que você quer, mas não pode, muita coisa que você deve, mas não quer.

Na pesquisa, já imaginou? Por que montamos comitês de pesquisa, por que a gente faz um curso sobre ética na pesquisa? Porque isso é complicado, e se fosse uma coisa simples, a gente não precisava fazer curso, não precisava estudar, não precisava se juntar. É complicadíssimo, porque estamos mexendo com coisas que têm a ver com a nossa capacidade de existir. Quando se pensa especialmente no campo da ética, a relação com a liberdade traz sempre o tema da decisão, da escolha. Por que estou dizendo isso? Porque não dá para admitir uma mera repetição do que disseram muitos dos generais responsáveis pelo holocausto e demais atrocidades emanadas do nazismo dos anos de 1940. Exceto um que assumiu a responsabilidade, todos usaram o mesmo argumento em relação à razão de terem feito o que fi zeram. Qual foi? “Eu estava apenas cumprindo ordens”. “Estava apenas cumprindo ordens”, isso me exime da responsabilidade? Estava apenas obedecendo... Essa é uma questão séria, sabe por quê? Porque “estava apenas cumprindo ordens” implica a necessidade de pensarmos se a liberdade tem lugar ou não.

Ética tem a ver com liberdade, conhecimento tem a ver com liberdade, porque conhecimento tem a ver com ética. Por isso, se há algo que também é fundamental quando se fala em ciência, ética na pesquisa e produção do conhecimento, é a noção de integridade. A integridade é o cuidado para se manter inteiro, completo, transparente, verdadeiro, sem máscaras cínicas ou fi ssuras. Nessa hora, um perigo se avizinha: assumir- se individual ou coletivamente uma certa “esquizofrenia ética”. Ela desponta quando as pessoas se colocam não como inteiras, mas repartidas em funções que pareceriam externas a elas. Exemplos? “Eu por mim não faria isso, mas, como eu sou o responsável, tenho de fazê-lo”. Ora, eu não sou eu e uma função, eu sou uma inteireza, eu não sou eu e um professor, eu e um pesquisador, eu e um diretor, eu e um Secretário, eu sou um inteiro. “Eu por mim não faria”, então eu não faço!

Cautela! Coloca-se um estilhaçamento da integridade: “Eu, por mim, não lhe reprovaria, mas como eu sou seu professor, eu tenho que reprovar”; “Eu, por mim, não lhe mandaria embora, mas como eu sou seu chefe...”; “Eu, por mim, não lhe suspenderia, mas como eu sou seu superior...”; “Eu, por mim, não faria isso, mas como eu sou o contador...”; “Eu, por mim, não faria isso, mas como eu sou o responsável pelo laboratório...”.: “Eu por mim não faria”, então eu não faço; “Eu por mim não lhe reprovaria”, então não reprovo. De novo: eu não sou eu e uma função, eu não sou eu e um pesquisador, eu e um chefe do laboratório, eu e um diretor de instituto, eu e um Secretário... O esboroamento da integridade pessoal e coletiva é a incapacidade de garantir que a “casa” fi que inteira, e para compreender melhor a idéia de “casa íntegra”, vale fazer um breve passeio pelas palavras. Talvez as pessoas que estudaram um pouco de etimologia se lembrem que a palavra ética vem pra nós do grego ethos, mas ethos, em grego, até o século VI a. C., signifi cava morada do humano, no sentido de caráter ou modo de vida habitual, ou seja, o nosso lugar. Ethos é aquilo que nos abriga, aquilo que nos dá identidade, aquilo que nos torna o que somos, porque a sua casa é o modo como você é, onde está a sua marca. Mais tarde, esse termo para designar também o espaço físico foi substituído por oikos. Aliás, o conhecimento mais valorizado na sociedade grega era o que cuidava das regras da casa, para a gente poder viver bem e para deixar a casa em ordem. Como o vocábulo nomos signifi ca “regra” ou “norma”, passou-se a ter a oikos nomos (a economia) como a principal ciência. No entanto, a noção original de ethos não se perdeu, pois os latinos a traduziram pela expressão more, ou mor, que acabou gerando pra nós também uma dupla concepção; uma delas é “morada”, e a outra, que vai ser usada em latim, é o lugar onde você morava, o seu habitus. Olha só, a expressão “o hábito faz o monge” não tem a ver com a roupa dele, habitus; habitus é exatamente onde nós vivemos, o nosso lugar, a nossa habitação.

Quando se pensa em ética e produção do conhecimento hoje, a grande questão é: como está a nossa possibilidade de sustentar a nossa integridade; essa integridade, como se coloca? A integridade da vida individual e coletiva, a integridade daquilo que é mais importante, porque uma casa, ethos, tal como colocamos, é aquela que precisa fi car inteira, é aquela que precisa ser preservada. Como está a morada do humano? Essa morada do humano desabriga alguém? Alguém está fora da casa, alguém está sem comer dentro dessa casa? Alguém está sem proteção à sua saúde, alguém está sem lazer dentro dessa casa? Essa morada do humano é inclusiva ou é exclusiva? Essa morada do humano lida com a noção de qualidade em ciência, ou lida com a noção de privilégio? Cuidado. Duas coisas que se confundem muito em ciência são qualidade e privilégio; qualidade tem a ver com quantidade total, qualidade é uma noção social, qualidade social só é representada por quantidade total. Qualidade sem quantidade não é qualidade, é privilégio. São Paulo é uma cidade em que se come muito bem, é verdade; quem come, quem come o quê? Qualidade sem quantidade total não é qualidade, é privilégio. Todas as vezes em que se discute essa temática, aparece a noção de uma qualidade restrita, e qualidade restrita, reforcemos, é privilégio. Nesse sentido, a grande questão volta: será que, na morada do humano, alguém está desabrigado? Será que essa casa está inteira, ela está em ordem nessa condição? Nessa nossa casa, quando a gente fala em cuidado, é o mesmo que falar em saúde; aliás, quando digo: “eu te saúdo”, ou, “queria fazer aqui uma saudação”, etimologicamente é a mesma coisa. Saudar é procurar espalhar a possibilidade de cuidado, de atenção, de proteção. Nossa casa, que casa é essa? Há nela saúde? A ética é a morada do humano; como essa casa é protegida? Qual é o lugar da ciência dentro dela? Qual é o papel que ela desempenha? Qual é a nossa tarefa nisso, para pensar exatamente aquelas três questões: posso, devo, quero?

É claro que essas questões e suas respostas não são absolutas, elas não são fechadas, elas são históricas, sociais e culturais. A mesma pergunta não seria feita do mesmo modo há vinte anos; a grande questão no nosso país há cento e cinqüenta anos, a grande questão ética há cento e cinqüenta anos era se eu podia açoitar um escravo e depois cuidar dele, ou só açoitá-lo e deixá-lo pra ser cuidado pelos outros; se eu poderia extrair o dente de alguém, se é mais recomendável para o dentista que ele faça a extração ou que ele tente o tratamento. Há alguns anos, algumas décadas, uma discussão de natureza ética era algo que nem passaria pela cabeça de um dentista. A pessoa chegava ao seu consultório e dizia: “Eu quero que o senhor arranque todos os meus dentes”. Ele respondia: “Tá bom”; hoje, você tem outra questão. O mesmo vale em relação ao uso de contraceptivos ou à legalização do aborto consentido, ou ainda sobre a separação entre princípios religiosos e conduta científi ca. Quando se pensa na manutenção da integridade, do devo, posso e quero, a grande questão, junto com essa tríade, é se estamos dirigindo, como critério último, a proteção da morada do humano, da morada coletiva do humano. Afi nal de contas, não somos humanos e humanas individualmente, pois só o somos coletivamente. Fala-se muito em vivência, quando referimos a vida humana; no entanto, o mais correto seria sempre dizer convivência, pois ser humano é ser junto. Desse modo, a noção de ethos, a noção de morada do humano, oferece um critério para responder ao posso, devo e quero, que é: protejo eu a morada ou desprotejo? Incluo ou excluo? Vitimo ou cuido?

Em um livro delicioso e de complexa leitura, Ética da Libertação, Enrique Dussel escreve sobre um percurso da história da ética dentro do mundo. Começa exatamente mostrando o lugar que a refl exão ética ocupa na história humana, mas conclui com algo que alguns até achariam curioso, hoje: ele não aceita a noção do termo exclusão, ou falar em excluídos, porque acha que a noção de excluído é muito pequena e insufi ciente. Dussel, ao pensar a Ética e os processos sociais, econômicos e culturais, trabalha com a noção de vítimas: as vítimas do sistema, as vítimas da estrutura. Pensa ele que, quando se fala em excluído, dá-se a impressão de que é uma coisa um pouco marginal, lateral, enquanto vitimação é uma idéia mais robusta e incisiva. A principal virtude ética nos nossos tempos, para poder manter a integridade e cuidar da casa, da morada do humano, é a incapacidade de desistir, é evitar o apodrecimento da esperança, é evitar aquilo que padre Antonio Vieira apontou, no começou de um de seus Sermões, da seguinte maneira: “O peixe apodrece pela cabeça”. Já viu um peixe apodrecer? Tal como algumas pessoas, ele apodrece da cabeça para o resto do corpo... Um olhar sobre a ética em ciência e na pesquisa tem uma fi nalidade: manter a nossa vitalidade, manter a nossa vitalidade ética, mostrar que nós estamos preocupadas e preocupados, que a gente não se conforma com a objetividade tacanha das coisas, que a gente não acha que as coisas são como são e não podem ser de outro modo, que a gente não se rende ao que parece ser imbatível.

Ser humano é ser capaz de dizer não, ser humano é ser capaz de recusar o que parece não ter alternativa, ser humano é ser capaz de afastar o que parece sem saída. Ser humano é ser capaz de dizer não, e só quem é capaz de dizer não pode dizer sim; aí está a nossa liberdade. Tem gente que diz assim: “Ah, a minha liberdade acaba quando começa a do outro”; cuidado, a minha liberdade acaba quando acaba a do outro. Liberdade, como saúde, tem de ser um conceito coletivo, a minha liberdade não acaba quando começa a do outro, a minha liberdade acaba quando acaba a do outro. Se algum humano não for livre, ninguém é livre, se algum homem ou mulher não for livre da falta de trabalho, ninguém é livre; se algum homem ou mulher não for livre da falta de socorro, de saúde, ninguém é livre; se alguma criança não for livre da falta de escola, ninguém é livre; a minha liberdade não acaba quando começa a do outro, minha liberdade acaba quando acaba a do outro. Ser humano é ser junto, e é em relação a isso que vale pensarmos nossa capacidade de dizer não a tudo que vitima e sermos capazes de proteger o que eleva a Vida. O vínculo da Ética com a Produção do Conhecimento está relacionado à capacidade deste de cuidar daquela, isto é, manter a integridade digna da vida coletiva. Ética é a possibilidade de recusar a falência da liberdade, a ética é a nossa capacidade de recusar a idéia de que alguns cabem na nossa casa, outros não cabem; alguns comem, outros não comem; alguns têm graça, outros têm desgraça.

A ética é o exercício do nosso modo de perceber como é que nós existimos coletivamente, e então pensar com seriedade naquilo que François Rabelais vaticinou: “Conheço muitos que não puderam, quando deviam, porque não quiseram, quando podiam”.

Quero? Devo? Posso?



FONTE:

http://www.apropucsp.org.br/revista/r27_r15.htm

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

GUSTTAVO LIMA E MENINA MACHUCADA E FELIZ MOSTRAM QUE O ‘BUNDAMOLISMO’ VENCEU


Por REGIS TADEU

Uma das coisas mais interessantes da minha profissão é que a velhice que se aproxima cada vez mais da porta do meu apartamento dá uma vontade incontrolável de deixar de lado a visão restrita de um determinado assunto e tentar enxergar as coisas de uma maneira mais ampla, profunda e racional. Principalmente em um mundo em que tudo envelhece muito rápido e que a estupidez virou uma benção para grande parte da humanidade.

Mesmo assim, algumas situações — ou "notícias", se preferir — me deixam perplexo.

Veja o caso do tal Gusttavo Lima, sucessor de Luan Santana na categoria "faça sucesso entretendo gente debilóide sem ter um pingo de criatividade musical". O sujeito, sabe-se lá por qual motivo, resolveu quebrar uma guitarra em cima do palco em um show em Bauru (SP) — na verdade, um megaevento para 40 mil pessoas que reuniu também atrações do quilate de Jorge e Mateus, Michel Teló e do próprio Luan Santana, entre outros - e jogar os pedaços na plateia. Acabou atingindo uma menina de 10 anos, que teve que ser levada a um hospital com cortes na cabeça.

Depois de atendida, a garota foi levada de volta ao local do show, quando foi apresentada ao "cantor", que lhe deu um CD autografado. E a moçoila saiu de lá feliz da vida, a ponto da família da garotinha — que chegou a registrar boletim de ocorrência por lesão corporal culposa, ou seja, sem a intenção de machucar — ter mudado de ideia no dia seguinte e mandado confeccionar uma faixa com a frase "Gusttavo, eu te amo" e colocado o tal pano na porta de casa.

Que raio de mundo é este?

Nem vou questionar o que fazia uma criança desta idade em um show deste porte. Hoje em dia, pais negligentes são totalmente reféns de crianças cada vez mais mimadas e arrogantes. Junte isto a uma fiscalização que beira a desonestidade e o cenário de estupidez está completo. Também não vou comentar a respeito da lavagem cerebral a qual jovens incultos e criados com a ausência de regras básicas de educação são submetidos via TV e internet.

Só que há uma pergunta que não me sai da cabeça: O que teria levado o tal "cantor" a quebrar uma guitarra em cima do palco? Não saber o que fazer com ela é uma hipótese bem provável, mas eu creio que o tal "cantor" tenha protagonizado a última pá de cal em cima de um cadáver que já cheira mal há muito tempo: a rebeldia transgressora que mudou o mundo nos últimos anos.

Quando Pete Townshend e o The Who quebravam todos os seus equipamentos ao final dos shows, quando Jimi Hendrix botou fogo em sua guitarra no festival de Monterey, quando Jerry Lee Lewis fazia o mesmo com seu piano quando estava entupido de álcool, o que estava em jogo em cada ato aparentemente tresloucado era a necessidade de mostrar que a sociedade em que vivíamos estava passando por mudanças comportamentais, sociais e políticas que batiam de frente contra o conformismo e a obediência cega às autoridades.

Hoje em dia, quando vejo bandas de rock quebrando guitarras em cima do palco, sinto uma "vergonha alheia" imensa justamente porque tal ato se transformou em algo puramente cênico, que provoca a mesma catarse histérica de uma convenção de escoteiros. Imagine o que você sentiria se visse o tal Gusttavo Lima fazendo o mesmo perante uma plateia com zero grau de audácia transgressora. É, o 'bundamolismo' venceu.

O que o tal "cantor" e a menina machucada e incrivelmente agradecida fizeram foi esfregar na nossa cara uma verdade sem volta: a cada dia que passa, mais e mais pessoas se entregam ao nefasto e persuasivo ato de esquecer de si próprias, como se a alienação fosse uma "virtude" — para não dizer "necessidade" - social. Para muitos, é mais fácil e seguro ser uma besta alegre e sorridente.

Vivemos no meio de uma geração de pessoas "românticas" que não sabem sequer como dar um abraço sem produzir uma baba retardada, manifestada verbalmente em frases prontas extraídas de livros de autoajuda ou por intermédio de olhos vidrados pela babaquice explícita. Milhões de pessoas se parecem como lagartixas felizes.

Há muitas formas de ser feliz sem tentar blindar o espírito, colocando um insulfilm na alma. Só vamos conseguir exterminar a nuvem negra da ignorância que cobre este planeta no momento em que começarmos a recusar tudo aquilo que nos é oferecido, quando deixarmos de ter a boca molhada pela saliva da gratidão e transformarmos a nossa indignação em atitudes.

Enquanto houver gente que prefere colocar uma venda nos olhos, lacrar o coração e cultivar a estupidez, seremos apenas um monte de babacas...


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FONTE:

http://br.noticias.yahoo.com/blogs/mira-regis/gusttavo-lima-e-menina-machucada-e-feliz-mostram-171524063.html

RESGATE À MEIA-NOITE


Por PATRÍCIA MELO

HISTÓRIA CONTADA POR EFRAIM HALEVY, EX-DIRETOR DO MOSSAD E FIGURA-CHAVE NO TRATADO DE PAZ ENTRE ISRAEL E A JORDÂNIA

Participei recentemente de um evento cultural na Áustria onde estava presente o advogado israelense Efraim Halevy, uma figura central na política israelense das últimas décadas. Além de dirigir o Mossad (o legendário Serviço Secreto de Inteligência de Israel) no período entre 1988 a 2002, Halevy foi diretor do Conselho de Segurança de Israel, e também embaixador de Israel junto à Comunidade Europeia. Sua rica biografia – sua participação nas negociações que levaram ao Tratado de Paz entre Israel e Jordânia foi fundamental – contrasta com a figura modesta e reservada que circulava pelo hotel. Ouvi dele a história que conto a seguir.

Na década de 1980, o Mossad foi incumbido de resgatar judeus etíopes que sofriam toda sorte de abusos e privações no Sudão por conta da ditadura islâmica. Na época, Israel não tinha relação com aquele país, e o grande número de pessoas a serem resgatadas não permitia que a ação fosse rápida. A operação exigia entradas clandestinas contínuas no território sudanês, com pistas de pouso e pontos de embarque na costa sudanesa para os aviões e navios que levariam os judeus até Israel.

Estudando a situação, Halevy e sua equipe descobriram numa região do Egito conhecida pela beleza de seus corais, a 80 quilômetros da costa do Sudão, uma antiga vila de mergulho desativada. O plano foi então elaborado. O governo israelense, usando o nome de uma empresa estrangeira, comprou o resort abandonado e o reestruturou, num tempo recorde, transformando-o num hotel cinco estrelas para amantes de mergulho.

Para resolver o sério problema local de abastecimento de água, Israel enviou para o resort equipamentos de dessanilização que passaram a servir também à comunidade. Assim, enquanto aquela área se transformava no local mais irrigado da região, o hotel se tornava uma coqueluche de verão.

Uma equipe com chefs de cozinha, patisseurs, garçons, camareiras, porteiros, instrutores de mergulho, eletricistas, jardineiros e diversos profissionais ultraqualificados (poliglotas e sem nenhum sotaque, segundo Halevy) atendiam milionários, artistas, políticos, esportistas e figuras do jet set internacional que se hospedavam ali para ver de perto os corais mais lindos do mundo.

Ninguém jamais desconfiou que todo aquele staff hoteleiro fazia parte do Mossad. Com passaportes falsos, eles tinham jornada dupla: de dia serviam os turistas e ao cair da noite cruzavam a fronteira do Sudão em caminhões camuflados, sabendo que se fossem pegos jamais retornariam para casa.
A operação durou quatro anos. Noite após noite, dezenas de crianças, jovens, idosos, homens e mulheres eram resgatados e levados até aviões ou navios que os esperavam em pistas e pontos de embarque improvisados.

Um dia, Halevy recebeu a informação de que a operação havia sido descoberta e que seu pessoal tinha somente quatro horas de estadia segura no resort. Foi o tempo necessário para que Israel enviasse as aeronaves para o local. Nessa noite, todos os profissionais que trabalharam na operação voltaram para casa. Os equipamentos do resort foram abandonados. Mas o saldo final foi um sucesso: 12 mil judeus etíopes foram resgatados e puderam recomeçar uma nova vida em Israel.
Quando é que alguém vai contar essa história para o Spielberg?

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FONTE:

http://www.istoe.com.br/colunas-e-blogs/coluna/228856_RESGATE+A+MEIA+NOITE+

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

XI... ERREI!

Por ANA PAULA PADRÃO

Errar é ruim. Errar publicamente é pior. Errar no maior evento esportivo do planeta é um problemão. Mas acontece. Aconteceu comigo. Não preciso entrar em detalhes, pois tenho certeza de que, se alguém não viu, ficou sabendo.

Aí é que está. Meu erro, por imperdoável que seja, alcançou uma projeção que eu nem sabia que tinha. E que certamente não teria na outra bancada. Curioso esse motor de informações das redes sociais. Talvez o erro seja mais querido que a boa performance. O erro faz com que o personagem televisivo se torne real. E eu mesma sou mais de verdade cada vez que erro. Não que eu goste de errar. Mas gosto muito de parecer de verdade. E a verdade atrai uma solidariedade coletiva. Uma sensação de Ela é como nós!

Nesses últimos dias lembrei do meu antigo emprego. Por causa da diferença de fuso horário, o “Jornal da Record” entra no ar perto da meia-noite em Londres, de onde acompanhamos, com exclusividade, os Jogos Olímpicos. A sensação de já-passei-por-isso-antes deve ter ficado boiando em algum canto remoto da minha consciência e surgiu, subitamente, no ar. Ao vivo.

Muita gente que encontro, todos os dias, me diz que eu pareço tão mais feliz hoje do que no passado. Agradeço pela sensibilidade dos que percebem que todos fazemos nossas escolhas e que elas podem nos deixar mais felizes, ainda que desafiem o senso comum. Estou, sim, mais feliz. Mais solta. Mais relaxada. Mais humana. E mais imperfeita, como qualquer um. Erro. E aprendo a gostar de mim também quando erro.

Tanto é assim que tive vontade de escrever sobre isso. Dividir a sensação. A perfeição tem um peso absurdo. A perfeição é muito maior do que nós. É muito poderosa e muito cruel. Ela arrasta você para o buraco escuro da solidão. Por mais ensolarada que você seja por fora, torna-se sombria por dentro. É de lá que vem a primeira cobrança, a primeira crítica, o primeiro julgamento. São todos destrutivos. Vão roendo suas entranhas até que reste só uma casca. Bonita e oca. Além de desejar o melhor e se esforçar pelo melhor, você se torna refém dela. Da perfeição. Acabo de ver a queda de um atleta da ginástica artística numa prova importante. Ele termina a apresentação chorando. Sei o que ele sente. Eu já quis ser perfeita. Mas isso passou. Ainda bem que passou. Por isso perdoo meus erros e faço piada deles.

Amigas e amigos, divirtam-se! Riam de mim do jeito que eu mesma fiz. Parei em frente do espelho e disse pra mim mesma: O que é que você foi fazer, doida? De onde saiu aquela frase? E ri. De mim mesma. Ri pela felicidade de ser quem eu sou. Essa pessoa que tem uma história, pública. Uma história tão minha e tão pública que seria impossível negá-la ou apagá-la. Uma história que muita gente entende, mas que não agrada a todos. Por isso eu ri. Pela felicidade de não ser uma unanimidade e de não ter que arrastar por aí uma personagem de mim mesma.

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Fonte:
http://www.istoe.com.br/colunas-e-blogs/coluna/226846_XI+ERREI+?pathImagens=&path=&actualArea=internalPage

segunda-feira, 30 de julho de 2012

Direito, literatura e história

Por Marcus Boeira

A APRESENTAÇÃO DA CONSCIÊNCIA REVOLUCIONÁRIA PERMITE VISLUMBRAR QUE, EM PLENO SÉCULO XIX, JÁ ERA POSSÍVEL DETECTAR O QUE VIRIA A SUCEDER POUCOS ANOS DEPOIS NO CONJUNTO DE FATOS OCORRIDOS EM MEIO À REVOLUÇÃO BOLCHEVIQUE.

Ultimamente, inúmeros juristas têm dedicado especial atenção à literatura. Tal situação se deve ao fato de que a ciência jurídica e o campo literário possuem diversas conexões possíveis, desde a temática da hermenêutica até o campo dos juízos e valores morais na sociedade humana.

Porém, há um ponto que unifica as duas áreas de maneira singular: trata-se do problema inerente ao ato humano. Ou seja, as atitudes humanas constituem o repertório que dá sentido ao amplexo normativo dos códigos e diplomas legislativos, como também confere unidade à pluralidade de experiências humanas retratadas nas obras de literatura.

Enquanto a história trata da memória viva do passado, ampliando progressivamente o rol dos fatos e experiências concretas sucedidas ao longo dos tempos, a literatura reflete as experiências humanas possíveis, desde a lógica da potencialidade. A saber, ao passo que a história procura explicar a realidade a partir da coleta dos fatos e sua interpretação e investigação posterior, a literatura produz ficção e, a partir dela, se mergulha na consciência e nas causas da atividade humana. A literatura, por assim dizer, retrata a diversidade inerente as tensões existenciais, produzindo formas descritivas de compreensão do homem na história. A história é o ato, a literatura a potência. A história é a memória dos povos. A literatura, a consciência dos atos humanos.

Da perspectiva do jurista, a interpretação das normas pressupõe que o interprete mergulhe na realidade para compreendê-las mais profundamente. Ora, sendo a realidade complexa e seu conhecimento de difícil decifração, é mister que o hermeneuta procure no Direito um modo de entendimento sobre o mundo. A partir das normas jurídicas, se quer conhecer o sentido do dever ser, quer-se, antes de tudo, conhecer o destino dos atos humanos e reconhecer suas causas e conseqüências.

Enquanto a história preenche o rol dos fatos e situações compartilhadas na experiência social por séculos e gerações, a literatura retrata o conjunto das possibilidades do futuro, antecipando atitudes humanas a partir de uma investigação quanto à consciência do mesmo, como também suas reações e ações perante situações concretas. A literatura, mutatis mutandis, trás o futuro para o presente e viabiliza ao jurista interpretar a história de forma atual. A atualidade do Direito, assim, exige a conexão entre a história e a literatura, entre o que já ocorreu e o que pode ocorrer.

Por exemplo, quando lemos uma obra como Os Demônios, de Fiodor Dostoievski, datada de 1872, percebemos o quanto de profético há na textura apresentada, cujos personagens imbuídos de atitudes revolucionárias demonstram de forma viva o que viria a ocorrer na Revolução Russa de 17. De certo modo, a maneira toda singular de entender o marxismo e demais ideologias revolucionárias, mesmo o romantismo, do ponto de vista da literatura russa, nos mostra que os russos possuem uma característica bastante especial: a de importar certas categorias do pensamento revolucionário e interpretá-las segundo uma visão de mundo própria e particularizada, por vezes contrária à cosmovisão ocidental. Nesse caso, a literatura profetiza sobre a história, justamente por apresentar um pano de fundo comum às experiências humanas universais. A linguagem do possível antecipa a atualidade da história. Em suma, a apresentação da consciência revolucionária permite vislumbrar que, em pleno século XIX, já era possível detectar o que viria a suceder poucos anos depois no conjunto de fatos ocorridos em meio à revolução bolchevique.

A ciência jurídica, ocupada em discernir o justo em concreto, não encontra outro meio senão reconhecer e investigar os motivos das atitudes humanas, das tensões existenciais, enfim, dos dilemas humanos básicos apresentados pela literatura e atualizados pela história. A história viva da ciência jurídica perpassa a cultura humana mediante a literatura jurídica, composta por aquilo que representa a finalidade do Direito de modo mais elementar: normatizar e orientar os atos do ser humano.

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Fonte:
http://www.midiasemmascara.org/artigos/direito/13276-direito-literatura-e-historia.html?utm_source=feedburner&utm_medium=feed&utm_campaign=Feed%3A+midiasemmascara+%28MSM%29

segunda-feira, 2 de julho de 2012

UM MEIO OU UMA DESCULPA

"Não conheço ninguém que conseguiu realizar seu sonho, sem sacrificar feriados e domingos pelo menos uma centena de vezes (...). O sucesso é construído à noite! Durante o dia você faz o que todos fazem. Mas, para obter um resultado diferente da maioria, você tem que ser especial. Se fizer igual a todo mundo, obterá os mesmos resultados. Não se compare à maioria, pois, infelizmente ela não é modelo de sucesso. Se você quiser atingir uma meta especial, terá que estudar no horário em que os outros estão tomando chope com batatas fritas. Terá de planejar, enquanto os outros permanecem à frente da televisão. Terá de trabalhar enquanto os outros tomam sol à beira da piscina. A realização de um sonho depende de dedicação, há muita gente que espera que o sonho se realize por mágica, mas toda mágica é ilusão, e a ilusão não tira ninguém de onde está, em verdade a ilusão é combustível dos perdedores pois... ‘Quem quer fazer alguma coisa, encontra um MEIO. Quem não quer fazer nada, encontra uma DESCULPA’."

Roberto Shinyashiki

quarta-feira, 13 de junho de 2012

SOBRE TERNOS, ENIGMAS E EROTISMO

Por Roberto Pompeu de Toledo

Os ternos, primeiro. Ninguém os ostenta tão finos, em toda a República, como o advogado e ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos. Numa terra em que a regra é o guarda-roupa mambembe, e para a maioria o valor da roupa não vai além da comezinha função de cobrir a nudez, o ex-ministro é uma destacada exceção.

Imagine-se um salão de Brasília, de São Paulo ou do Rio, em que os presentes estivessem com o rosto coberto. Só pelo impecável corte do terno, e ainda pelo colarinho, ou pelo rigoroso nó da gravata, seria fácil adivinhar: ─ “Ah. esse só pode ser o ex-ministro Márcio Thomaz Bastos!”. O apuro no vestir tem sua correspondência nos modos do ex-ministro: cordial, articulado, fleumático.

TODO RÉU TEM DIREITO A UM ADVOGADO. SEM DÚVIDA, MAS ESTE ADVOGADO?

Pois todo esse acervo de cuidado e elegância no momento mobiliza-se em favor do bicheiro Carlos Cachoeira. Fica bem, para Márcio Thomaz Bastos, atender tal cliente? Fica mal? Fica bem, para o país, ter um antigo ministro da Justiça sentado ao lado da figura central do maior escândalo do ano, a zelar, na CPI, para que o pupilo se mantivesse calado? Ficaria bem, para um ex-ministro da Justiça na Itália, ter um chefe mafioso como cliente?

A justificativa-padrão é que todo réu tem direito a um advogado. Sem dúvida, mas este advogado?

Resta a suspeita de malversação de terno, de colarinho, de nós na gravata, de bons modos, de sabença jurídica e mesmo, quem sabe, da dignidade da República.

O ENIGMA CACHOEIRA

O enigma, agora. Já que deputados e senadores não se mostram dispostos a debruçar-se sobre as falcatruas atribuídas a Carlos Cachoeira, poderiam inquiri-lo sobre sua infância, os sonhos de adolescente, os amores.

A essas questões talvez ele respondesse, e isso ajudaria na decifração do enorme, crucial enigma que nos põe esse personagem: afinal, o que queria ele? Aonde queria chegar? Carlos Cachoeira, segundo o apurado até agora, herdou um ponto do bicho do pai, que por sua vez o tinha recebido do campeão do jogo do bicho carioca, o falecido Castor de Andrade.

CACHOEIRA PARECE QUERER IR ALÉM DE COMANDAR UMA ESCOLA DE SAMBA. UM IMPÉRIO, TALVEZ?

Pois bem. A ambição de um bicheiro, normalmente, não vai além de comandar uma escola de samba. Carlos Cachoeira mirou mais alto. Duplicou os negócios ilegais com os legais. Estabeleceu-se na indústria farmacêutica e, ao que tudo indica, na empreita de obras públicas. Ao longo do caminho, embrenhou-se entre os políticos.

O bicheiro tradicional também recruta políticos, mas não mais do que para proteger suas atividades de contraventor. Cachoeira queria mais. A rede de políticos a seu serviço sugere um aparato de infiltração nas estruturas do Estado. As vantagens econômicas daí decorrentes são evidentes. As portas se abrem para negócios em que o Estado é o grande comprador, como a indústria farmacêutica e a empreita.

Mas isso ainda não é tudo. Talvez até seja o de menos. As gravações da Polícia Federal indicam um gosto extremado por essa substância menos palpável, que é o poder. Cachoeira vinha bem nesse quesito. O governador de Goiás, num telefonema, chama-o de “liderança”.

O senador Demóstenes Torres, em muitos, trata-o de “professor”. Nas conversas, os políticos soam como empregados, ou como reverentes vassalos.

Mas Cachoeira ainda não estava satisfeito. Numa das gravações, trata com um assessor da compra de um partido político. Há muitos à venda no país, e ele só não fechou negócio porque considerou o preço alto.

Sobra a questão: por que quereria um partido político?

Essa questão se desdobra em outra: aonde pretendia chegar? E esta em outra ainda: aonde chegaria, caso seu caminho não fosse cortado pelas investigações? Uma aposta razoável é que acabaria imperador do Brasil.

ABANDONANDO-SE AO REGAÇO DA SENSUALIDADE

O erotismo, por fim. A mensagem do “não se preocupe, você é nosso e nós somos teu” enviada pelo ex-líder do governo Cândido Vaccarezza ao governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, do PMDB, foi muito comentada por dois motivos.

Primeiro, por desnudar o toma lá dá cá pelo qual um partido não deixará o outro em apuros, na CPI do Cachoeira, desde que o outro não deixe o um.

Segundo, pelo claudicante português com que o deputado acabou largando o pobre “teu” ao desamparo de um singular.

Faltou chamar atenção para a carga erótica da mensagem. Não é senão num estado em que se adivinham a entrega e o desejo que alguém se joga ao outro dizendo-o “nosso”, e declarando-se “teu”. Presidencialismo dito de coalizão é isso.

Os casamentos que lhe são inerentes, para ser casamentos de verdade, só se abandonando ao regaço da sensualidade.

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Fonte:

http://veja.abril.com.br/blog/ricardo-setti/politica-cia/roberto-pompeu-de-toledo-sobre-ternos-enigmas-e-erotismo/

sábado, 2 de junho de 2012

Povinho ruim

Por Patrícia Melo

Fico me perguntando se o Brasil possui um político como Bismark, na Alemanha; Churchill, na Inglaterra; ou o Marquês do Pombal, em Portugal?


Em certo momento de “O Caminho da Liberdade”, magnífico romance do escritor austríaco Arthur Schnitzler, o personagem Heinrich admite sua capacidade de entender todos os mortais, sejam eles batedores de carteira, sejam donos de hotel ou reis. Sua dificuldade, ele diz, é com o político que esconde sua essência atrás de “títulos, abstrações e símbolos”.

Segue-se uma discussão interessante entre Heinrich e Nurnberger – outro personagem igualmente fascinante do livro – em que basicamente se diz haver dois tipos de políticos (ou nenhum, conforme se verá): o primeiro, composto por homens de negócios, impostores ou aduladores; e o segundo, formado pelos “ativos... ou geniais”. Explica-se que este segundo tipo também não era formado por políticos “no fundo do seu ser”, mas por verdadeiros artistas, que “buscariam criar uma obra, e uma obra que por princípio reivindicava tanta imortalidade e caráter quanto qualquer outra obra de arte”. Sua matéria-prima seria a própria humanidade.

Mais adiante conclui-se que a política é o elemento mais “fantástico no qual os homens podem se mover”.

Fico me perguntando se o Brasil possui na sua imensa galeria de políticos que nos lideram há séculos alguém que se encaixe no segundo perfil de Schnitzler. Um político como Bismark, na Alemanha; Churchill; na Inglaterra; ou o Marquês do Pombal, em Portugal? Alguém que, conforme diria Maiakovski, pudesse conversar “sobrancelha com sobrancelha” com Lenin ou Thomas Jefferson? Gostaria de estar errada, mas creio que jamais fomos abençoados com essa sorte. Nossos melhores – só para citar os que me ocorrem: Joaquim Nabuco, Rui Barbosa e o Barão do Rio Branco – tornam-se pálidas figuras diante dos grandes políticos da história mundial.

Certamente tivemos e temos políticos éticos; políticos bem-intencionados, que deixaram um legado mais ou menos importante, que contribuíram oportunamente (mas ainda assim contribuíram) ou tomaram liderança na luta por mudanças políticas importantes, que conquistaram benefícios sociais, mas político genial – no sentido schnitzleriano – este, eu ficaria feliz se o leitor me lembrasse de algum nome que injustamente eu possa ter esquecido.

Parece que estamos historicamente condenados ao primeiro tipo. E agora, quando pela primeira vez o Brasil atinge uma posição econômica de visibilidade aqui fora, os tais homens de negócio, aduladores e impostores aperfeiçoaram-se de tal forma que absurdamente podem também ser considerados artistas. São verdadeiros gênios da corrupção, da perfídia e da falta de ética, que transformam nossa política no que Schnitzler chama de “o elemento mais fantástico no qual os homens podem se mover”. Puro absurdo.

É difícil explicar o que se passa no Brasil para o europeu entusiasmado com o país que ele vê na capa do “The Economist”, com o Cristo Redentor, tal qual um foguete, sendo projetado para os píncaros da glória.

Na verdade, é como se houvesse um grande descompasso entre nossa realidade pujante e promissora e a classe política brasileira, que, ao contrário do País, parece ainda estar com o pé fincado na lama do passado e do retrocesso. (Não quero ser injusta: claro que há exceções. Tem que haver. Mas essas não deveriam estar mais indignadas? Mais ativas? Mais engajadas numa luta ética?)

Talvez seja exatamente esse descompasso que explique por que nosso crescimento tão alardeado não se reflita em conquistas sociais e culturais. Talvez nosso crescimento seja uma ilusão, uma bolha, ou mesmo um mero crescimento estatístico, conforme acreditam alguns.

É um processo longo, explica-me um amigo cientista, três vezes indicado para o Nobel. Uma vez iniciado um processo democrático, ele explica, demora-se em média três gerações para se mudar a cultura da corrupção de um país. Ainda teremos de esperar um pouco. Tomara que ele esteja certo. Meu único temor é que ele não conhece o Brasil. Nem os políticos brasileiros. Eta povinho ruim!

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FONTE:

http://www.istoe.com.br/colunas-e-blogs/coluna/207055_POVINHO+RUIM+

sábado, 19 de maio de 2012

Nossa escola não é feita para dar certo

Por Gustavo Ioschpe

ISSO SE POR "DAR CERTO" ENTENDERMOS A FORMAÇÃO DE UMA PESSOA COM AS HABILIDADES MÍNIMAS PARA NAVEGAR O MUNDO E DESENVOLVER SEU POTENCIAL

Imagine que você trabalha em uma empresa em que os funcionários não ganham de acordo com sua competência, mas sim segundo seu tempo de casa e nível de estudo. Não há promoções, mas também só há demissão em casos de violação grotesca. Mesmo faltando repetidamente ao serviço, não alcançando sua meta ano após ano e maltratando seu cliente, você continua no posto até se aposentar. Imagine que não exista, em sua região, universidade que prepare bem para o seu emprego, de forma que você já chega ao trabalho não sabendo muito. Pior: tem gente que trabalha em área diferente daquela em que foi formada; o cara de vendas se formou em letras. Imagine que essa empresa só tenha dois cargos (funcionário e chefe) e que quase metade dos chefes tenha chegado ao cargo por indicação de um conhecido dos donos (o restante é majoritariamente eleito para a posição pelos funcionários). Imagine que os donos são muitos, que eles não costumam frequentar a empresa e que a herdaram como parte de um conglomerado, do qual a sua empresa é uma das que agregam menos valor aos donos. Imagine agora que o serviço prestado pela sua empresa é complexo e dirigido a crianças e jovens. Imagine também que essas crianças e seus pais não saibam julgar a qualidade do serviço, mas achem que está tudo bem, desde que você o empacote em uma embalagem bonita e dê aos clientes alguns brindes (uns livros, umas roupas, de repente até um laptop aos mais sortudos). A empresa consegue dar todos esses brindes; a maioria dos clientes está, portanto, satisfeita. Imagine que os clientes e seus familiares não precisem pagar diretamente pelo serviço: o pagamento vem da empresa-mãe (a que congrega todos os negócios do grupo) e é baseado na compra de outros produtos e serviços oferecidos por outras empresas do grupo.

Agora pense nesse ambiente de trabalho e responda às seguintes perguntas. Se você trabalhasse nele, estaria motivado a dar o seu melhor ou pegaria leve, esperando o contracheque no fim do mês? Como você acha que seus outros colegas de empresa se comportariam? Se lhe dessem um aumento salarial, você se esforçaria mais? Se você fosse uma pessoa carreirista, permaneceria nessa empresa? Aliás, você teria entrado nela? No caso dos chefes indicados pelos amigos dos donos, você acha que eles estariam mais preocupados em agradar aos clientes ou aos donos e seus amigos? No caso dos chefes eleitos por você e seus colegas, acha que eles comprariam briga com você para defender os interesses dos clientes ou virariam seus aliados? Presumindo que os clientes permanecessem satisfeitos e que continuassem pagando indiretamente pelo serviço, você acha que os donos se interessariam em reformar a empresa para que ela servisse melhor sua clientela, desse mais resultados? Ou será que suas prioridades seriam manter a coisa no estado em que se encontra e devotar suas energias para os outros braços do conglomerado, os que dão mais retorno?

Não sei qual o grau de sua fé na humanidade nem suas crenças na natureza humana, mas eu tendo a achar que a empresa acima seria uma balbúrdia, com profissionais desmotivados e trabalhando abaixo de sua capacidade, clientes mal atendidos, conchavos entre funcionários e chefes, donos desinteressados e pouco envolvidos. Eu acho que melhorar o salário dos funcionários não mudaria o problema. Vou além: enquanto essa estrutura de incentivos não fosse alterada, qualquer investimento numa empresa assim seria um desperdício de tempo e dinheiro. Aliás, não é uma opinião, até porque esse cenário não é hipotético nem trata de empresas. O quadro descrito retrata a maioria das escolas públicas brasileiras. Os funcionários são os professores, os chefes são os diretores de escola, os donos são a classe política, os clientes são os alunos. O resto não carece de alterações para chegar à realidade.

Aposto que você sabe que nossa educação é péssima e que esse problema é fatal para nossas possibilidades de desenvolvimento. Aposto também que você acha que esse problema não o afeta, especialmente se você põe seu filho em escola particular. Aposto que gasta mais tempo na seção de esportes do seu jornal do que naquela que cuida de educação. Se é que o seu jornal tem uma seção devotada ao assunto, já que 90% da cobertura do tema se limita a notícias sobre greves, ameaças de greve e outras reclamações salariais. E, até porque o assunto é apenas esse — dinheiro —, você acha (acha não: você tem certeza, depois de vinte ou trinta anos de leituras sobre o assunto) que o principal problema da educação brasileira é o salário dos professores. Aposto também que, dois parágrafos antes, você respondeu que aumentar o salário dos funcionários não resolveria nada, e aposto também que você gosta dos brindes (se você for mais pobre, merenda; se mais rico, lousa eletrônica ou currículo bilíngue) que a escola do seu filho dá.

Antes que os patrulheiros se arvorem, não estou querendo comparar a escola a uma empresa. Uma coisa não tem nada a ver com a outra. Apenas propus um exercício mental. O que espero que esse exercício tenha deixado claro é o seguinte: não é que a educação brasileira fracassa misteriosamente apesar dos melhores esforços de todos os envolvidos. Ela fracassa porque esse arranjo institucional requer a irracionalidade de todos os envolvidos, do prefeito ao professor. Nossa escola não é feita para dar certo — se por "dar certo" entendermos a formação de uma pessoa com as habilidades mínimas para navegar o mundo e desenvolver seu potencial.

Não faz sentido para um professor brasileiro comprar a briga: com má formação, precisaria de um esforço hercúleo para obter grandes resultados. Mas esses resultados não lhe trariam reconhecimento, promoções, prêmios ou aumentos. Não faz sentido para o aluno brasileiro se esforçar: a aula que ele recebe é extremamente chata, a maioria dos professores não está muito preocupada com o seu aprendizado, e ele sabe que, se fizer um esforço mínimo, vai continuar sendo aprovado, mesmo sem aprender bulhufas. Não faz sentido para o diretor de escola se insurgir contra essa situação e querer mudar radicalmente o status quo. Se a sua nomeação depende de eleição dos professores, ele não vai querer exigir de seus eleitores mais trabalho e dedicação, até por não ter nada a lhes oferecer em troca. Se o diretor tiver indicação política, então, Deus o livre de qualquer incômodo: o importante é dar vida fácil a todos, carregar nos "brindes" e deixar os eleitores do seu padrinho político felizes. Não faz sentido para os pais dos alunos protestar contra o atual estado de coisas, porque a maioria deles está satisfeita com a educação que o filho recebe (em pesquisa recente do Inep, a nota média dada pelos pais de alunos da escola pública à qualidade da educação do filho foi 8,6!). E a maioria está satisfeita porque não tem condições intelectuais de avaliar o que é uma boa educação, pois é semiletrada, e nem sabe que existem avaliações oficiais sobre a qualidade do ensino do filho. Finalmente, não faz sentido para o político trabalhar para melhorar a qualidade do ensino: não há pressão por parte de alunos nem de seus pais, e há uma enorme resistência a qualquer mudança por parte dos sindicatos de professores e funcionários. Politicamente, só há custos, sem benefícios. Nenhum político racional mexe nesse vespeiro.

Há, é claro, as exceções. O professor apaixonado pelo que faz, que dá duro independentemente do salário, da carreira desanimadora, dos alunos desmotivados e dos colegas que o pressionam para se aquietar. O diretor comprometido, que se orgulha de fazer uma grande escola e seleciona profissionais que comprem essa batalha. Os alunos e seus pais que querem melhorar de vida e sabem que precisam de educação de qualidade, que lutam contra a pasmaceira. E os políticos comprometidos com a próxima geração, e não com a próxima eleição. Mas esses são minoria, e o sistema está contra eles. Enquanto a lógica do sistema não for alterada, todas as ações pontuais para melhorá-lo — da lousa eletrônica ao salário mais alto — provavelmente irão para o ralo. Acredito que o quadro só mudará quando a população passar a ver a educação brasileira como ela realmente é. Somente aí poderemos esperar a pressão popular por uma educação de qualidade, que gerará incentivo para que políticos cobrem desempenho dos funcionários do sistema. Ou seja, o problema é seu. Está esperando o que para fazer alguma coisa?


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FONTE: veja.abril.com.br/noticia/educacao/nossa-escola-nao-e-feita-para-dar-certo

Publicado em 13/05/2012 - 09:31
Extraído em 19/05/2012 - 10:00

sábado, 5 de maio de 2012

Sobre o verdadeiro fanatismo (breve reflexão)

Por Olavo de Carvalho

“A palavra "fanático", (...) parecerá insultuosa e inaceitável aos que, como bons medíocres, só entendem "fanatismo" na acepção vulgar e quantitativa da exaltação frenética. O verdadeiro fanatismo, ao contrário, é inteiramente compatível com a serenidade do tom e enverga, não raro, convincentes sinais de "moderação". O fanático não precisa ser irritadiço, nervoso ou hidrófobo. Apenas, ele está tão afinado com a ideologia coletiva que ela basta como canal para a expressão de seus sentimentos, vivências e aspirações, sem nada sobrar daquele hiato, daquele abismo que o homem diferenciado vê abrir-se, com freqüência, entre seu mundo interior e o universo em torno (...). O fanático, nesse sentido, é desprovido daquela solidão, daquela profundidade, daquela tridimensionalidade próprias dos que "estão no mundo, mas não são do mundo". Ele, ao contrário, pode "não estar" no mundo, mas, com toda a intensidade do seu ser, "é" do mundo. ”


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Fragmento do texto: PSICOLOGIA DO FANATISMO


Texto na íntegra em:

http://www.olavodecarvalho.org/semana/11212002jt.htm

terça-feira, 1 de maio de 2012

VITÓRIA DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO

Por Reinaldo Azevedo

JUIZ EXTINGUE AÇÃO CONTRA PASTOR MALAFAIA E DEIXA CLARO: ELE NÃO FOI HOMOFÓBICO, E A CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA NÃO COMPORTA A CENSURA SOB NENHUM PRETEXTO


O juiz federal Victorio Giuzio Neto, da 24ª Vara Cível de São Paulo, extinguiu ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal contra o pastor Silas Malafaia, da Assembleia de Deus, contra a TV Bandeirantes e também contra a União. Vocês se lembram do caso: no programa “Vitória em Cristo”, Malafaia criticou duramente a parada gay por ter levado à avenida modelos caracterizados como santos católicos em situações homoeróticas. Já escrevi alguns posts a respeito. Aquele em que em exponho detalhes do caso está aqui . Ao defender que a Igreja Católica recorresse à Justiça contra o deboche, Malafaia afirmou o seguinte:

“É para a Igreja Católica entrar de pau em cima desses caras, sabe? Baixar o porrete em cima pra esses caras aprender. É uma vergonha!”

Acionado por uma ONG que defende os direitos dos gays, o Ministério Público Federal recorreu à Justiça, acusando o pastor de estar incitando a violência física contra os homossexuais. Demonstrei por que se tratava de um despropósito. E o que queria o MPF? Na prática, como escrevi e também entendeu o juiz Victorio Giuzio Neto, a volta da censura. Pedia que o pastor e a emissora fizessem uma retratação e que a União passasse a fiscalizar o programa.

A decisão é primorosa. Trata-se de uma aula em defesa da liberdade de expressão. Fico especialmente satisfeito porque vi no texto muitos dos argumentos por mim desfiados neste blog — embora tenha sido esculhambado por muita gente: “Você não entende nada de direito”. Digamos que fosse verdade. De uma coisa eu entendo: de liberdade. O juiz lembra que o Inciso IX do Artigo 5º da Constituição e o Parágrafo 2º do Artigo 220 impedem qualquer forma de censura, sem exceção. De maneira exemplar, escreve:

“Permite a Constituição à lei federal, única e exclusivamente: “… estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no artigo 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente”. Estabelecer meios legais não implica utilização de remédios judiciais para obstar a veiculação de programas que, no entendimento pessoal, individual de alguém, ou mesmo de um grupo de pessoas, desrespeitem os “valores éticos e sociais da pessoa e da família” até porque seria dar a este critério pessoal caráter potestativo de obstar o exercício de idêntica liberdade constitucional assegurada a outrem.”

Mais adiante, faz uma síntese brilhante:

“Proscrever a censura e ao mesmo tempo permitir que qualquer pessoa pudesse recorrer ao judiciário para, em última análise, obtê-la, seria insensato e paradoxal.”

Excelente!

Afirma ainda o magistrado:

“Através da pretensão dos autos, na medida em que requer a proibição de comentários contra homossexuais em veiculação de programa, sem dúvida que se busca dar um primeiro passo a um retorno à censura, de triste memória, existente até a promulgação da Constituição de 1988, sob sofismático entendimento de ter sido relegado ao Judiciário o papel antes atribuído à Polícia Federal, de riscar palavras ou de impedir comentários e programas televisivos sobre determinado assunto.”

O juiz faz, então, uma séria de considerações sobre a qualidade dos programas de televisão, descartando, inclusive, que tenham influência definidora no comportamento dos cidadãos. Lembra, a meu ver com propriedade, que as pessoas não perdem (se o tiverem, é óbvio) o senso de moral porque veem isso ou aquilo na TV; continuam sabendo distinguir o bem do mal. Na ação, o MPF afirmava que os telespectadores de Malafaia poderiam se sentir encorajados a sair por aí agredindo gays. Lembrou também o magistrado que sua majestade o telespectador tem nas mãos o poder de mudar de canal: não é obrigado a ver na TV aquilo que repudia.

Giuzio Neto analisou as palavras a que recorreu o pastor e que levaram o MPF a acionar a Justiça:

“As expressões proferidas não são reveladoras de preconceito se a considerarmos como manifestação de condenação ou rejeição a um grupo de indivíduos sem levar em consideração a individualidade de seus componentes, pois não se dirigiu a uma condenação generalizada através de um rótulo, ao homossexualismo, mas, ao contrário, a determinado comportamento ocorrido na Parada Gay (….) no emprego da imagem de santos da Igreja Católica em posições homoafetivas.
Diante disto, não pode ser considerado como homofóbico na extensão que se lhe pretende atribuir esta ação, no campo dos discursos de ódio e de incentivo à violência, pois possível extrair do contexto uma condenação dirigida mais à organização do evento - pelo maltrato do emprego de imagens de santos da igreja católica - do que aos homossexuais.
De fato não se pode valorar as expressões dissociadas de seu contexto.
E, no contexto apresentado, pode ser observado que as expressões “entrar de pau” e “baixar o porrete” se referem claramente à necessidade de providências acerca da Parada Gay, por entender o pastor apresentador do programa, constituir uma ofensa à Igreja Católica reclamando providências daquela.
(…)
É cediço que, se a população em geral utiliza tais expressões, principalmente na esfera trabalhista, para se referir ao próprio ajuizamento de reclamação trabalhista (…) “vão meter a empresa no pau”. Outros empregam a expressão “cair de pau” como mera condenação social; “entrar de pau” ou “meter o pau”, por outro lado, estaria relacionado a falar mal de alguém ou mesmo a contrariar argumentos ou posicionamentos filosóficos. Enfim, as expressões empregadas pelo pastor réu não se destinaram a incentivar comportamentos como pode indicar a literalidade das palavras no sentido de violência ou de ódio implicando na infração penal, como pretende a interpretação do autor desta ação.”

Bem, meus caros, acho que vocês já haviam lido algo semelhante aqui, não?, escrito por este “não-especialista em direito”, como sempre fazem questão de lembrar os petralhas. Caminhando para a conclusão de sua decisão, observa:

“Por tudo isto e diante da clareza das normas acima transcritas, impossível não ver na pretensão de proibição do pastor corréu de proferir comentários acerca de determinado assunto em programa de televisão, e da emissora de televisão deixar de transmitir, uma clara intenção de ressuscitar a censura através deste Juízo.”

Mas e quem não se conforma com fim da censura na TV? O juiz dá um conselho sábio, com certo humor e uma pitada de ironia:

“Para os que não aceitam seu sepultamento - e de todas as normas infraconstitucionais que a previram - restam alternativas democráticas relativamente simples para a programação da televisão: a um toque de botão, mudar de canal, ou desliga-la. A queda do IBOPE tem poderosos efeitos devastadores e mais eficientes para a extinção de programas que nenhuma decisão judicial terá.”

Caminhando para o encerramento

Sábias palavras a do juiz federal Victorio Giuzio Neto! Tenho me batido aqui, como vocês sabem, contra certa tendência em curso de jogar no lixo alguns valores fundamentais da Constituição em nome de alguns postulados politicamente corretos que nada mais são do que os “preconceitos do bem” de grupos de pressão influentes. Os gays têm todo o direito de lutar por suas causas. Mas precisam aprender que não podem impor uma agenda à sociedade que limite a liberdade de expressão, por exemplo, ou a liberdade religiosa.

No caso em questão, a ação era, em essência, absurda. É claro que o contexto deixava evidente que o pastor recorria a uma linguagem metafórica — de uso corrente, diga-se. Se alguém foi vítima de preconceito nessa história, esse alguém foi Malafaia. Não fosse um líder evangélico — e, pois, na cabeça de alguns, necessariamente homofóbico —, não teria sido importunado por uma ação judicial. Há um verdadeiro bullying organizado contra os cristãos, pouco importa a denominação religiosa a que pertençam. Infelizmente, a “religião” que mais cresce no mundo hoje é a cristofobia.

Eu, que tenho criticado com certa frequência a Justiça, a aplaudo desta vez.



Por Reinaldo Azevedo


http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/vitoria-da-liberdade-de-expressao-%E2%80%94-juiz-extingue-acao-contra-pastor-malafaia-e-deixa-claro-ele-nao-foi-homofobico-e-a-constituicao-brasileira-nao-comporta-a-censura-sob-nenhum-pretexto

sexta-feira, 27 de abril de 2012

ANENCEFÁLICOS MORAIS

Por Belcorígenes de Souza Sampaio Jr.

Com relação ao recente debate sobre a questão do ABORTO no Brasil, avulta entender qual o postulado jurídico pátrio sobre o marco inicial de proteção da vida humana (independente da importante discussão margeante, de cunho jurídico-exegético, sobre a usurpação pelo Supremo Tribunal Federal da função legislativa, que não lhe cabe por vedação constitucional).

O artigo 5º da Constituição Federal Brasileira diz, em seu caput: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida...”. O Pacto de São José da Costa Rica, do qual o Brasil é signatário, proclama em seu artigo 4º: “Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente.” O código Civil Brasileiro textualmente diz em seu artigo 2º que "a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”.

Para qualquer um minimamente iniciado no tema (ou seja, razoavelmente alfabetizado) fica patente que o feto (o nascituro) possui, desde sua mais tenra formação, proteção legal e direitos fundamentais garantidos (tendo em vista que a concepção se dá já no primeiro momento da fecundação). O nascituro, a criança ainda no ventre, não é um apêndice do corpo da mãe, é uma outra pessoa, um ser humano juridicamente distinto do qual ninguém pode dispor como se “coisa” fosse, conforme já ensinava KANT ao explicar a dimensão essencial da dignidade humana.

A recente decisão do STF em permitir o aborto (assassinato) de crianças deficientes (anencefálicas) é absurda, anacrônica, antiética e antijurídica (e ao mesmo tempo abre um precedente perigoso de cunho "eugenista"). Essa grave barbeiragem jurídica me faz querer sonhar com o Tribunal de Nuremberg, tendo em vista que para combater "políticas seletivas" de inspiração nazista só mesmo em um tribunal antinazista.

Como afirmei recentemente, a corte maior do país se ancorou em falaciosos argumentos como, a “desumanização do feto" (conceito fugidio que não encontra consenso e amparo nas ciências médicas e/ou humanas), ou até mesmo a “laicidade do Estado” (como se a discussão ético-filosófica, pública, da questão fosse de súbito eclipsada pelo suposto campo magnético, e privado, das religiões), dando assim um péssimo exemplo de desinteligência jurídica e anencefalia moral.

Quem tenta “desumanizar o feto humano,” ou mesmo negar-lhe os direitos fundamentais, o faz por ignorância ou má-fé. Aos ingênuos a nossa boa vontade em atender e entender. Para os demais a nossa obrigatória, e devida, convivência democrática, mas nunca a nossa condescendência ou simpatia.

Não é incomum que os partidários da morte: abortistas, eutanasistas, eugenistas, “et caterva”, não enxerguem sentido na existência humana. Muitos de maneira invasiva e insistente laureiam suas pretensas qualidades “libertárias” quando o que anseiam mesmo é mascarar a dor decorrente do fato de que, antes, “odeiam a si próprios” (e a tudo e a todos). Alguns mais exaltados, e que se julgam de vanguarda, na verdade são proselitistas da desgraça humana, estorvos sociais, sociopatas, inúteis ao próximo, pessimistas, céticos, lúgubres, militantes do caos, inconvenientes, fracassados nas relações familiares e parasitas institucionais. Criaturas chatas, sem graça ou expressão, ocas de vida e pobres de valores. Seres fúteis que encontram, apenas, na fria bandeira da mercancia da MORTE um sentido mórbido para suas existências carentes de utilidade e significado (patologia que só FREUD e LOMBROSO, juntos, podem explicar).

Anencefálico (sem cérebro) de verdade é quem vota e pactua com a morte de bebês inocentes. Desumano é quem se afina com idéia da existência de seres humanos "descartáveis". Ninguém deveria possuir como destino final uma lata do lixo. Tal lugar seria adequado, apenas, para os inimigos da vida humana.

Para encerrar, vale citar, (mais uma vez) o lapidar magistério de dois dos maiores filósofos e intelectuais brasileiros, LAICOS, sobre o tema:

Olavo de Carvalho afirma:

“Para o abortista, a condição de "ser humano" não é uma qualidade inata definidora dos membros da espécie, mas uma convenção que os já nascidos podem, a seu talante, aplicar ou deixar de aplicar aos que ainda não nasceram (...). Com toda a clareza que se poderia exigir, a opção pelo abortismo repousa no apelo irracional à inexistente autoridade de conferir ou negar, a quem bem se entenda, o estatuto de ser humano, de bicho, de coisa ou de pedaço de coisa (...). Não espanta que pessoas capazes de tamanho barbarismo mental sejam também imunes a outras imposições da consciência moral comum (...). Seria tolice esperar coerência moral de indivíduos que não respeitam nem mesmo o compromisso de reconhecer que as demais pessoas humanas pertencem à mesma espécie deles por natureza e não por uma generosa – e altamente revogável – concessão da sua parte (...). Aristóteles aconselhava evitar o debate com adversários incapazes de reconhecer ou de obedecer as regras elementares da busca da verdade. Se algum abortista desejasse a verdade, teria de reconhecer que é incapaz de provar a inumanidade dos fetos e admitir que, no fundo, eles serem humanos ou não é coisa que não interfere, no mais mínimo que seja, na sua decisão de matá-los. Mas confessar isso seria exibir um crachá de sociopata. E sociopatas, por definição e fatalidade intrínseca, vivem de parecer que não o são.” (OLAVO DE CARVALHO – Filósofo, Professor, Colunista e Escritor).

Luis Felipe Pondé analisando a questão preleciona:

"Sou contra o aborto. Não preciso de religião para viver, não acredito em Papai Noel, sou da elite intelectual, sou PhD, pós-doc., falo línguas estrangeiras, escrevo livros "cabeça" e não tenho medo de cara feia. (...). Não preciso de argumentos teológicos para ser contra o aborto. Sou contra o aborto porque acho que o feto é uma criança. A prova de que meu argumento é sólido é que os que são a favor do aborto trabalham duro para desumanizar o feto humano e fazer com que não o vejamos como bebês.(...). Não há nada de evidentemente justo em termos morais ou de moralmente "avançado" na legalização do aborto. O que há de evidente em termos morais é a desumanização do feto como processo retórico (exemplo: "Feto não é gente") e a defesa de uma forma avançada de "safe sex": "Quero transar com a "reserva de comportamento legal" a meu favor. Se algo der errado, lavo". E não me venham com "questão de saúde pública". Esgoto é questão de saúde pública. A defesa do aborto nessas bases é apenas porque o aborto legal é mais barato. Resumindo: "Safe sex, cheap babies". E não me digam que o feto "é da mulher". O feto "é dele mesmo". E não me digam que "todo o mundo avançado já legalizou o aborto", porque esse argumento só serve para quem "ama a moda" e teme a solidão. (...) (LUIS FELIPE PONDÉ - Filósofo, Professor da Faap e da PUC e Colunista da Folha de São Paulo).


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Belcorígenes de Souza Sampaio Jr:
Professor de Direito Constitucional
Professor de Hermenêutica Jurídica
Professor de Filosofia do Direito

sexta-feira, 20 de abril de 2012

VAI ENCARAR?

Por LUIS FELIPE PONDÉ (Filósofo, professor da Faap e da PUC e colunista da Folha de São Paulo).


SOU CONTRA O ABORTO E SOU INTELECTUAL, PHD, VAI ENCARAR?


Sou contra o aborto. Não preciso de religião para viver, não acredito em Papai Noel, sou da elite intelectual, sou PhD, pós-doc., falo línguas estrangeiras, escrevo livros "cabeça" e não tenho medo de cara feia.

Prefiro pensar que a vida pertence a Deus. Já vejo a baba escorrer pelo canto da boca do "habitué" de jantares inteligentes, mas detenha seu "apetite" porque não sou uma presa fácil.

Lembre-se: não sou um beato bobo e o niilismo é meu irmão gêmeo. Temo que você seja mais beato do que eu. Mas não se deve discutir teologia em jantares inteligentes, seria como jogar pérolas aos porcos.

Esse mesmo "habitué" que grita a favor do aborto chora por foquinhas fofinhas, estranha inversão...

Não preciso de argumentos teológicos para ser contra o aborto. Sou contra o aborto porque acho que o feto é uma criança. A prova de que meu argumento é sólido é que os que são a favor do aborto trabalham duro para desumanizar o feto humano e fazer com que não o vejamos como bebês. E não quero uma definição "científica" do início da vida porque, assim que a tivermos, compraremos cremes antirrugas "babyskin" com cartão Visa.

(...)

Não há nada de evidentemente justo em termos morais ou de moralmente "avançado" na legalização do aborto. O que há de evidente em termos morais é a desumanização do feto como processo retórico (exemplo: "Feto não é gente") e a defesa de uma forma avançada de "safe sex": "Quero transar com a "reserva de comportamento legal" a meu favor. Se algo der errado, lavo".

E não me venham com "questão de saúde pública". Esgoto é questão de saúde pública. A defesa do aborto nessas bases é apenas porque o aborto legal é mais barato. Resumindo: "Safe sex, cheap babies". E não me digam que o feto "é da mulher". O feto "é dele mesmo". E não me digam que "todo o mundo avançado já legalizou o aborto", porque esse argumento só serve para quem "ama a moda" e teme a solidão.

Não pretendo desqualificar a angústia de quem vive esse drama. Longe de mim! Mas em vez de gastarmos tanta "energia social" na defesa do aborto, por que não usarmos essa energia para recebermos essas crianças indesejadas?

(...)

Sou contra a legalização do aborto porque o considero um homicídio. Muita gente não entende essa implicação lógica quando supõe que seriam razoáveis argumentos como: "A legalização do aborto permite a escolha livre. Se sou contra, não faço. Se minha vizinha for a favor, ela faz".

Agora, substitua a palavra "aborto" pela palavra "homicídio", como fica o argumento? Fica assim: "A legalização do homicídio permite a escolha livre. Se sou contra, não faço. Se minha vizinha for a favor, ela faz".

Quem é a favor do aborto não o é por razões "técnicas", mas por "gosto" ideológico."

Por LUIS FELIPE PONDÉ para a Folha



(Ps: Aqui foram publicado apenas alguns fragmentos do texto original)

terça-feira, 17 de abril de 2012

CUIDADO, A ANENCEFALIA PODE SER CONTAGIOSA:

Por Belcorígenes de S. Sampaio Jr.


A anencefalia é um estado patogênico de saúde não intencional ou provocado, e não constitui um crime. Mas para o Supremo Tribunal Federal pátrio tal enfermidade é suficiente para condenar à morte crianças, ainda no útero materno, como se criminosas fossem, e como se no Brasil pena de morte houvesse. Sob falaciosos argumentos de “desumanização do feto" (conceito fugidio que não encontra consenso e amparo nas ciências médicas e/ou humanas), ou até mesmo a “laicidade do Estado” (como se a discussão ético-filosófica, pública, da questão fosse de súbito eclipsada pelo campo magnético, e privado, das religiões), a corte maior da nação deu um verdadeiro exemplo de anencefalia moral. A força e a covardia venceram a decência. Tudo isto pelas mãos daqueles que deveriam ser os mais lídimos guardiões do direito à VIDA: das inocentes vidas brasileiras sem voz. Neste exato instante tenho vergonha de ser humano, brasileiro, jurista, cidadão. Só me resta um último apelo aos que ainda conservam um mínimo de senso crítico imune aos lugares comuns da insensatez: CUIDADO, A ANENCEFALIA PODE SER CONTAGIOSA e aparecer nos lugares mais insuspeitos, até nas altas cortes da república.

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domingo, 25 de março de 2012

O aborto e o trono de Moloch

Por Cristian Derosa

"O retorno do infanticídio, do aborto e da eutanásia, e a perseguição anticristã: o velho paganismo retorna à sociedade, com a sede de sangue inocente típica de seus velhos e falsos deuses."


O altar do deus cananita Moloch possuía a estátua de um bezerro de bronze com uma fornalha em seu ventre onde, em honra à divindade, as mães depositavam seus próprios filhos. Para amenizar o horror dessas mães, os sacerdotes cuidavam para que as trombetas fossem tocadas bem alto afim de que não se ouvisse o choro infernal das crianças sacrificadas.

Este tipo de prática religiosa era também comum entre fenícios, amonitas e até entre os primeiros romanos, mas o cristianismo os fez aparentemente desaparecer. Por séculos, a prática do infanticídio permaneceu vista como expressão do próprio mal. O paganismo dos cátaros, a despeito de uma fé cega no transcendente, trouxe de volta o pesadelo do aborto e do suicídio como solução para a salvação em Cristo, em uma tentativa de transfigurar a fé cristã em seu oposto.

Hoje vemos por todo lado a defesa do aborto e do infanticídio (o “aborto pós-natal”), como método contraceptivo ou como meio de seleção artificial do seres humanos mediante a constatação de deformidade ou enfermidade incurável. Com isso, buscam escolher quem deve nascer a partir de critérios de valoração baseados em um sofrimento indesejável, como se houvesse sofrimentos desejáveis.

O paganismo é algo que subjaz na ideia do aborto, tal como o sacrifício de bebês era inerente ao culto a Moloch. A diferença da fé dos primeiros pagãos para com a dos últimos está no objeto adorado. E no caso presente, temos a chamada comunidade médica ou científica, mas podemos ampliar o rol de sacerdotes até alcançarmos os intelectuais do controle populacional, do planejamento familiar, etc. O derramamento de sangue inocente continua sendo a solução para aplacar sofrimentos humanos, tal como no paganismo primitivo. O trono de Moloch, portanto, permanece vivo como a chama de uma fornalha que é alimentada com sangue, com carne viva.

O mesmo cristianismo que substituiu as práticas a Moloch, tal como a tantos deuses pagãos na Antiguidade, é aquele que agora é atacado globalmente, justamente pelos filhos daquele que necessita de alimento, adoração e sacrifícios, e que aguarda nos altares secretos, montados em clínicas de aborto por toda a parte. É a revanche do paganismo cuja crueldade não foi capaz de vencer a misericórdia do novo mundo cristão que se tornou real.

Vingadas as suas perdas, pretendem eles estabelecerem um reino pagão, assemelhado ao que as Nações Unidas chamam de comunidade internacional, para o qual luta ardentemente uma tal United Religions Initiative, visando a emancipação de velhas crenças hoje periféricas, e que elevará o culto a Moloch finalmente ao status de religiosidade legítima.



Cristian Derosa é jornalista.


FONTE:

http://www.midiasemmascara.org/artigos/aborto/12914-o-aborto-e-o-trono-de-moloch.html

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

VOCÊ RECONHECE QUANDO CHEGA A FELICIDADE?

Por Ana Paula Padrão

"Forçar uma situação de felicidade tem tudo para terminar em arrependimento e frustração"


Tenho uma forte antipatia pela obrigação de ser feliz que acompanha o Carnaval. Quem foge da folia ganha o rótulo de antissocial, depressivo ou chato. Nada contra o Carnaval. Apenas contra essa confusão de conceitos. Uma festa alegre não significa que você esteja plenamente feliz. E forçar uma situação de felicidade tem tudo para terminar em arrependimento e frustração. Aliás, você reconhece a felicidade quando ela chega? Sabe que está sendo feliz naquele momento? Espere um pouco antes de responder. Pense de novo.

Estamos falando de felicidade! Não de uma alegria qualquer. E qual é a diferença? Bem, descrever a felicidade não é fácil. Ela é muito recatada. Não fica ali, posando para foto, sabe? Mas um Manual de Reconhecimento da Felicidade diria mais ou menos o seguinte: Ela é mansa. Não faz barulho. Ao mesmo tempo é farta. Quando chega, ocupa um espaço danado. Apesar disso, você quase não repara que ela está ali. Se chamar a atenção, não é ela. É euforia. Alegria. A licenciosidade de uma noite de Carnaval. Ou um reles frenesi qualquer, disfarçado de felicidade.

A dita cuja é discreta. Discretíssima. E muito tranquila. Ela te faz dormir melhor. E olha, vou te contar uma coisa: a felicidade é inimiga da ansiedade. As duas não podem nem se ver. Essa é a melhor pista para o seu Manual de Reconhecimento da Felicidade. Se você se apaixonou e está naquela fase de pura ansiedade, mesmo que esteja superfeliz, não é felicidade. É excitação. Paixonite. Quando a ansiedade for embora, pode ser que a felicidade chegue. Mas ninguém garante.

É temperamental, a felicidade. Não vem por qualquer coisa. E para ficar então… hi, não conheço nenhum caso de alguém que a tenha tido por perto a vida inteira. Por isso é tão importante reconhecê-la quando ela chega. Entendeu agora por que a minha pergunta? Será que você sabe mesmo quando está feliz? Ou será que você só consegue saber que foi feliz quando a felicidade já passou?

Eu estudo muito a felicidade. Mas não consigo reconhecê-la. Talvez porque eu seja péssima fisionomista. Ou porque ela seja muito mais esperta do que eu. Mais sábia. Fato é que eu só sei que fui feliz depois. No futuro. Olho para o passado e reconheço: “Nossa, como eu fui feliz naquela época!” Mas no presente ela sempre me dá uma rasteira. Ando por aí, feliz da vida e nem sei que estou nesse estado. Por isso aproveito menos do que poderia a graça que é ter assim, tão pertinho, a tal da felicidade.

Nos últimos tempos, dei para fazer uma lista de momentos felizes. E aqui é importante deixar claro que esses momentos devem durar um certo período de tempo. Um episódio isolado feliz – como quatro dias de Carnaval, por exemplo – não significa felicidade. A felicidade, quando vem, não vem de passagem. Não dura para sempre, mas dura um tempinho. Gosta de uma certa estabilidade, a danada! O problema é saber que ela está ali na hora em que ela está ali. Mas, voltando à lista, até que ela é longa.

Já fui bastante feliz. Talvez não na maior parte do tempo. Mas acho que ninguém é. A lista é um grande exercício. Sabendo quando você foi feliz, é mais fácil descobrir por que você foi feliz. Para ser ainda mais funcional, é bom que a lista seja cronológica. Lendo a minha, constato que fico cada vez mais feliz e por mais tempo. Será que ela está aqui agora? Não sei dizer. Mas a paz de que desfruto agora é um sintoma dela.

E isso não tem nada a ver com a tal obrigação de ser feliz desfilando no Sambódromo. Continuo meus estudos. Já tenho certeza de que hoje sou mais amiga da felicidade do que jamais fui em qualquer tempo.


FONTE:
http://www.istoe.com.br/colunas-e-blogs/colunista/45_ANA+PAULA+PADRAO

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

A PSEUDO-ALEGRIA DO CARNAVAL (breve reflexão)

Por Belcorígenes de Souza Sampaio Júnior

Definitivamente não sou contra a alegria. O que eu não entendo é como uma palavra tão bela e desejável como essa (ALEGRIA) possa se tornar sinônima de excessos indevidos. Neste “festival da carne” (carni-val) muitos (NÃO TODOS) acreditam possuir uma licença para “fazer” o que não seria normalmente lícito, prudente ou recomendável. Estranhamente associam “alegria” com falta de prudência e decência. Eu tenho que discordar já que “alegria” denota algo mais profundo do que meros desvarios de momento, risos estridentes, copos etílicos sempre à mão e CORPOS gratuitamente em oferta.

Entendo que quem se expõe exageradamente nesta “festa” (cometendo todos os excessos a que julga “ter direito”) está apenas demonstrando a sua infelicidade e também a sua solidão (que até fica bem disfarçada dentro de uma festa popular).

Na verdade, é por “falta de alegria” (ou sentido) com suas próprias vidas que pessoas se excedem em comportamentos autodestrutivos (da vida, da honra, da imagem), e para se justificarem perante as suas consciências (os que ainda as tem) invertem o sentido e batizam essa “desalegria” como ALEGRIA. Aliás, por falar em autodestruição eu nem sei como denominar o comportamento de quem não entrega carro, patrimônio ou casa a qualquer pessoa, mas que paradoxalmente oferece o que tem de mais valioso, O SEU PRÓPRIO CORPO, ao desfrute de um estranho qualquer. Será prostituição? Não com certeza, pois essa é menos gravosa já que se dá por dinheiro e quase sempre por falta de opção, ao contrário do que acontece nos ditos carnavais.

Quem age e vive assim está no seu lídimo direito de fazer o que quiser com sua própria vida, só não queira me convencer de que se pode realmente ser feliz desse jeito: “uma vez a cada carnaval”. Há maneiras infinitamente mais dignas e melhores de ser alegrar, e ser FELIZ de verdade.

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domingo, 12 de fevereiro de 2012

O VELHO TEMA DO EU E DO OUTRO

Por Artur da Távola

Veja se dá para entender: a gente, para a gente mesmo, é a gente. Raramente consegue ser o outro. A gente, para o outro, não é a gente, é o outro. Deve estar confuso. Tento de novo. Cada um de nós vive uma ambiguidade fundamental: ser a gente e ao mesmo tempo, ser o outro. Pra gente, a gente é a gente. Para o outro, a gente é o outro.

Temos, portanto, dois estados: ser o eu de cada um de nós e ser o outro. Na vida de relação, pois temos que saber ser o ‘eu individual’ e ao mesmo tempo, aceitar funcionar em estado de alteridade (outro vem de ‘alter’), ou seja, de ‘outro’.

O outro, raramente nos considera como a gente (como pessoa singular, peculiar, própria, única, desigual). Em geral, ele nos considera como o ‘outro’. Daí surgem os conflitos. Não apenas o outro em geral não nos considera como ‘a gente’. Também a gente não sabe aceitar, ou raramente aceita, ser tratado como ‘outro’. A gente quer ser tratado como a gente sabe que é, e não como o outro nos considera.

A gente sempre tem esperança que o outro descubra o que a gente é. Mas isso é muito difícil, porque o outro nos vê como ‘outro’ ou como qualquer projeção dele, jamais nos vê como a gente se vê ou quer ser visto ou gostaria de ser visto.

Uma relação de duas pessoas dá-se portanto, em quatro etapas: i) para Joaquim, Maria é o outro; ii) para Joaquim, Joaquim é Joaquim; iii) para Maria, Joaquim é o outro; iv) para Maria, Maria é Maria.

Mas Maria quer que Joaquim não a veja como ‘o outro’ e sim como Maria. E Joaquim não quer ser visto como ‘o outro’, ele quer ser visto como Joaquim. Mas nem Maria o vê como Joaquim (e sim como ‘o outro’), nem Joaquim a vê como Maria (e sim como ‘o outro’ na pessoa dela).

É essa a vontade de que nos vejam como individualidade que somos, o que nos leva a exigir talvez demais daqueles que se relacionam conosco. Eles talvez não estejam preparados (raramente estão) para nos ver como ‘eus’, como unidades próprias, como somos ou como queremos ser.

Exigir dos demais que nos vejam em nossa individualidade é um fato de pouca sabedoria. Raramente eles o conseguem, porque se somos ‘eu’ para nós mesmos, somos outro para eles. Em estado de ‘eudade’ (de eu), somos uma pessoa. Em estado de alteridade, somos outra pessoa.

Conseguir, sem exigir ou cobrar, porém, que o outro não nos veja como ‘o outro’ que somos para ele, mas como o ‘eu’ que somos para a gente, é ato de sabedoria. Significa saber ser nítido, saber colocar-se como pessoa e como individualidade, saber ocupar o próprio espaço sem qualquer invasão do espaço dos demais ou sem qualquer limitação do que eles são e nos agregamos, por inveja ou por admiração (coisas muito parecidas).

Para tal, é mister que saibamos ver o outro não apenas como o ‘outro’, mas como o ‘eu dele’ para ele. Mais claro: significa ver o outro como ele é, na condição de ‘eu’ ou seja, de indivíduo próprio, peculiar, semelhante sim, mas desigual e não na condição de ‘outro’, que é como ele chega até nós.

É no centro dessa relação que está a essência do problema da comunicação e da comunhão (que vem a ser a mesma coisa).

Eu devo ser ‘eu’ para mim e para o outro. O outro deve ser o ‘eu-dele’ para mim. Eu devo aceitar ser ‘o outro’ para o outro. Mas devo desejar e conseguir ser ‘eu’ para ele. Eu, em estado de ‘eu’, devo aceitá-lo como outro. Eu, em estado de ‘outro’, devo aceitá-lo como o eu dele. Eu e ele somos ao mesmo tempo ‘eu’. Eu e ele somos ao mesmo tempo ‘ele’. Ele é ‘eu’ mas também é ele. Por isso somos, ao mesmo tempo, semelhantes e diferentes. Por isso somos irmãos. Por isso a humanidade é uma só. Por isso a igualdade humana é uma verdade, na diferença individual.

E, para terminar, um outro alcance, paralelo ao principal, mas verdadeiro nas relações humanas: o outro nunca sabe direito o que ele é e representa para a gente. E a vida nos vai ensinando a ser cada vez mais sozinhos, pelo acúmulo de não correspondência daqueles que sempre nos significam algo, mas nunca o souberam ou perceberam na exata medida. Ou então, preocupados em excesso com os próprios problemas nunca atenderam ao potencial de afeto que por eles ou para eles havia em nós e foi desgastando em uso ou dispersão, já que não o souberam receber.

Às vezes esse ‘outro’ é mesmo o outro. Aí é a gente que fica com o próprio gesto de amor solto no ar à espera de aceitação, entendimento e correspondência. Em ambos os casos, dói. Mas isso já é outra crônica.

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domingo, 5 de fevereiro de 2012

POR AMOR A LIBERDADE (Uma breve reflexão)

Por Belcorígenes de Souza Sampaio Júnior

Sou um amante da LIBERDADE e em razão disso devo respeitar qualquer pessoa que viva ou pense diferente de mim, em qualquer área da sua vida. Eu, por exemplo, já fui ateu e hoje sou convictamente cristão. Assim, admito qualquer tipo de divergência nesta seara. Por outro lado, entendo também ser pura perda de tempo tentar "convencer" pessoas autônomas sobre qualquer coisa, afinal "quem tem sede busca."

Não amo o debate pelo simples debate. Detesto a retórica em questões de liberdades éticas, como também detesto a ronda de consciências. Pessoas que vivem deliberadamente a provocar outras são prepotentes, ou inseguras e frustradas. Aliás, escolha é a palavra chave aqui: tudo é uma questão de ESCOLHA e atualmente eu escolho muito bem aqueles que vão participar da minha vida na condição de amigos. Neste grupo, não me importa as opções religiosas ou ideológicas professadas, mas sim o caráter íntegro de quem as cultiva.

O melhor traço de caráter que aprecio é sensibilidade com a liberdade alheia de crer no que quiser. Não invado este espaço de autodeterminação pessoal e não tenho que suportar ninguém que tente invadir o meu próprio espaço cognitivo, pelo simples fato de que sou LIVRE.

Posso aceitar que pessoas não concordem comigo e que até se aborreçam com a minha fé, inclusive na condição de ex-ateu conheço TODOS os argumentos neste sentido. O que não aceito é que alguém tente posar, e se impor, como inteligente ou superior, tão somente pelo fato da sua opção religiosa, ideológica ou intelectual (laica ou não). Não tenho tempo, e nem mesmo espaço, na minha vida para tais posturas arrogantes.

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quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

SOLI DEO GLORIA

Por Belcorígenes de Souza Sampaio Júnior

Quando Jesus Cristo falava sobre a luta existente no interior do homem entre a carne e o espírito, ensinava que a força que precisamos pára dizer NÃO frente aos nossos desejos (impulsos e vontades), e permanecermos fieis àquilo que cremos, é muito maior que a aquela que precisaríamos para dizer SIM. Por isso mesmo Ele afirmou que veio para dar vidas aos “cativos,” aos “doentes”, aos “fracos”, aos “cansados e sobrecarregados”, aos que reconhecem que “sem Ele nada podem fazer”.

Se alguém é cristão de VERDADE sabe que na teologia novo testamentária não existem “fortes,” “sãos” ou “libertos” FORA da Graça de Cristo. Segundo a Palavra Dele, TODOS nós, sem exceção, dependemos do Seu Perdão e da Sua Graça Redentora. Sendo assim, ninguém é SUPERIOR a outrem pois não existe MÉRITO PESSOAL no caminho da salvação ("Porque é através da Graça que alcançamos salvação, pela fé; e isto não depende de nós, é uma dádiva de Deus; não se origina em obras humanas, para que ninguém engrandeça a si mesmo" - Efésios 2:8-9).

O próprio Senhor Jesus demonstrou isto de maneira bem clara na seguinte parábola: "Propôs também esta parábola a alguns que confiavam em si mesmos, por se considerarem justos, e desprezavam os outros: Dois homens subiram ao templo com o propósito de orar: um, fariseu, e o outro, publicano. O fariseu, posto em pé, orava de si para si mesmo, desta forma: " Deus, graças te dou porque não sou como os demais homens, roubadores, injustos e adúlteros, nem ainda como este publicano; jejuo duas vezes por semana e dou o dízimo de tudo quanto ganho. O publicano, estando em pé, longe, não ousava nem ainda levantar os olhos ao céu, mas batia no peito, dizendo: " Deus, sê propício a mim, pecador! Digo-vos que este desceu justificado para sua casa, e não aquele; porque todo o que se exalta será humilhado; mas o que se humilha será exaltado" (Lc 18.9-14).

Afastemos de nós a oração e a prática do FARISEU hipócrita. Aprendamos a orar e a viver como o PUBLICANO e somente então, como ele, seremos “justificados” por Cristo.

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terça-feira, 31 de janeiro de 2012

APRENDENDO A DISCORDAR (breve reflexão)

Por Belcorígenes de Souza Sampaio Júnior


ENQUANTO SERES HUMANOS RACIONAIS E LIVRES TEMOS QUE APRENDER A DISCORDAR E A CONCORDAR. SÓ O QUE NÃO É PERMITIDO É TENTAR EMPOBRECER O DEBATE PROIBINDO A DIVERGÊNCIA.


“Quem crê na tolerância não o faz apenas porque constata a irredutibilidade de opiniões – com a conseqüente necessidade de não empobrecer, mediante proibições, a variedade de manifestações do pensamento humano - mas também porque crê na sua fecundidade.” (Norberto Bobbio)

A diversidade ideológica, religiosa e cultural é uma realidade lógica da nossa condição de seres racionais dotados de liberdade. Querer reduzir a imensa gama de possibilidades cognitivas a um mínimo aceitável de opiniões é postular o autoritarismo de consciência ou vaticinar a ronda nas categorias mais profundas do ser. Como viabilizar teórica, e praticamente, "verdades contraposta?”. No entanto tal desiderato assume uma espécie de “mania” na sociedade moderna. Parece que só seremos “felizes” quando as diferenças “desaparecerem”. Este é um juízo de simplificação reducionista inapropriado. Não existe utopia ou cegueira maior. Somos únicos porque somos diferentes. Esta é a riqueza da raça humana: sua diversidade; sua tessitura multiforme. É este o sentido mais apropriado do direito à LIBERDADE DE EXPRESSÃO.

Em um Estado Constitucional de Direito temos que aprender a viver e a praticar a democracia sabendo que a irredutibilidade de opiniões é um fato e constitui a nossa mais lídima aspiração. A nossa identidade no mundo. Como afirma Charles Taylor:

“Podemos hablar de una identidad individualizada, que es particularmente mia, y que yo descubro em mi mismo. Este concepto surge junto con el ideal de ser fiel a mi mismo ya mi particular modo de ser(...) Hay cierto modo de ser humano que es mi modo. He sido llamado a vivir, mi vida de esta manera, y no para imitar la vida de ningún outro (...) Si no me soy fiel, estoy desviándome de mi vida, estoy perdiendo de vista lo que es para mi el ser humano(...) La importancia de este contacto próprio aumente considerablemente quando se introduce el principio de originalidad: cada uma de nuestras vocês tiene algo único que decir(...) Ser fiel a mí mismo significa ser fiel a mi propria originalidade, que es algo que sólo yo puedo articular e descubrir.”

Assim, para honrar e dignificar a nossa condição de seres humanos únicos se torna urgentemente necessário aprender a discordar e a concordar, aceitando a divergência com salutar e desistindo de vez de tentar empobrecer o debate proibindo-a (o que não se confunda com o discurso do ódio - Hate Speech - que é outra coisa, se tratando de incentivo à violência e não à diversidade. Isto é assunto de direito penal e deve ser tratado como tal).

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Justiça transicional na África do Sul: restaurando o passado, construindo o futuro

Por Simone Martins Rodrigues Pinto

Doutora pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro da Universidade Candido Mendes (Iuperj/Ucam) e professora do Centro de Pesquisa e Pós-graduação sobre as Américas da Universidade de Brasília (Ceppac/UnB)


RESUMO

A transição democrática na África do Sul foi dolorosa, mas pacífica. Após anos de opressão estatal violenta em uma sociedade marcadamente dividida entre brancos e negros, o processo transicional permitiu o surgimento de uma sociedade democrática, caminhando para a restauração psicológica e reconciliação social. Um dos fatores principais para o êxito deste processo foi o fato de se ter optado pela justiça restaurativa como meio de resolver os crimes cometidos pelo regime passado. Por meio de uma Comissão de Verdade e Reconciliação, a África do Sul abre mão de um modelo punitivo tradicional sem deixar de lado a responsabilização dos criminosos e a apuração da verdade.

Palavras-chave: África do Sul – Justiça Transicional – Apartheid – Comissão de Verdade – Democracia

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ABSTRACT

The democratic transition in South Africa was painful but peaceful. After years of state violent oppression in a society remarkably divided between blacks and whites, the transitional process allowed the emergence of a democratic society, walking to psychological restoration and social reconciliation. One of the most important elements to the success of this process was the option for restorative justice as a way to solve crimes committed during the past regime. Because of the Truth and Reconciliation Commission, South Africa refused a punitive model but guaranteed criminal responsibility and investigation of the facts.
Keywords: South Africa – Transitional Justice – Apartheid – Truth Comission – Democracy
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INTRODUÇÃO

Atransição na África do Sul, de um longo regime de opressão segregacionista para uma democracia multirracial, deu-se de forma surpreendentemente pacífica e negociada. Graças ao exemplo de Nelson Mandela, que foi solto depois de 27 anos de prisão, e à condução moral do arcebispo Desmond Tutu, como baluarte de uma nova forma de justiça, o país não se desintegrou em novas disputas de poder.

Apesar de negociada, a transição não resultou em uma anistia geral que levasse ao esquecimento do passado. A principal novidade no processo sul-africano foi a ênfase na verdade e na responsabilização. Em busca da restauração social da sociedade, a punição ficou em segundo plano, dando lugar a uma outra forma de resposta coletiva aos abusos perpetrados por meio de uma justiça restaurativa.

O REGIME DE APARTHEID

A política de apartheid, ou segregação, foi institucionalizada na África do Sul em 1948 e legitimou um sistema totalitário de discriminação racial, espacial, jurídico, político, econômico, social e cultural. No entanto, a África do Sul tem experimentado racismo e opressão desde a chegada dos primeiros colonizadores. O país está localizado ao sul do continente africano, banhado pelos oceanos Atlântico e Índico, tornando-se um ponto estratégico das rotas comerciais européias para o Oriente. Os europeus chegaram ao país em 1487, quando o navegador português Bartolomeu Dias contornou o Cabo da Boa Esperança em busca das rotas comerciais para as Índias. Habitada inicialmente por diversos grupos negros, como os boxímanes, khoikhois, xhosas, sans e zulus, a região foi colonizada por imigrantes holandeses,1 franceses e alemães no século XVII.

Apesar de a institucionalização do apartheid se dar somente em 1948, a história da colonização da África do Sul é marcada pela separação étnica e pela escravidão. O país foi colonizado primeiro pelos holandeses e depois pelos britânicos. Quando da chegada dos holandeses, o povo khoikhois, essencialmente formado por pastores de gado, e o povo sans, caçadores e coletores, habitavam a terra que hoje constitui o país. Outros povos agricultores, como os xhosas, zulus, suazis e ndebeles, tswanas e basothos, habitavam o interior do território (JONGE, 1991, p. 16).

Acolonização holandesa começou com a chegada da Companhia das Índias Orientais, que a princípio intencionava apenas estabelecer um entreposto de abastecimento dos navios em trânsito para a Ásia. Em poucos anos, os holandeses começaram a se estabelecer na Cidade do Cabo, tornando-se os novos colonos, juntamente com alguns alemães e franceses vindos da Europa. A expansão da colonização deu-se por meio de numerosas guerras contra os khoikhois, que foram dizimados pela varíola, mortos pelos colonos ou escravizados. Ainda no século XIX, a Companhia das Índias proibiu a escravização dos khoikhois e eles foram integrados na sociedade por meio de um sistema de clientela que não era muito melhor do que o de escravidão. Apesar de livres, eles ocupavam uma posição muito inferior na sociedade. Jan van Riebeeck, o primeiro governador da Colônia do Cabo referiu-se a eles como "gente estúpida e malcheirosa" (JONGE, 1991, p. 10). Com relação ao povo san, os colonos holandeses adotaram uma clara política de genocídio. Em 1798, a Colônia do Cabo tinha 26 mil escravos, 15 mil khoikhois e 22 mil africânderes. O pequeno número de mulheres brancas facilitou uma ampla miscigenação, fazendo surgir os mestiços.

Com o fortalecimento do poder da Inglaterra na Europa, o império colonial holandês perdeu força e os ingleses passaram a dominar o Cabo. A administração britânica era mais liberal. Em 1828, decretou direitos iguais entre os habitantes da colônia e, mais tarde, aboliu a escravidão. Para os africânderes, a libertação dos escravos constituiu uma abominação. Uma forte ideologia, baseada em distorções da Bíblia, mantinha os africânderes contrários à igualdade com os negros. Estas medidas, aliadas à escassez de terras, levaram a população africânder a migrar para o interior, onde fundaram duas repúblicas independentes, o Transvaal e o Estado Livre de Orange. Estas repúblicas praticavam uma política racial rígida e os não-brancos eram considerados estrangeiros e tolerados somente como força de trabalho subordinada (BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO, 1985, p. 55). Da mesma forma que acontece hoje, o fim legal do apartheid não elimina de imediato o fim do apartheid social. Uma sociedade construída sobre a visão da separação, da superioridade racial e da intolerância resiste em aceitar uma igualdade firmada por lei. Por isto, a transição precisa ser feita levando em consideração a necessidade de derrubar estas fortes barreiras sociais e culturais, buscando afetar e alterar a cosmovisão de toda uma nação.

A tentativa de anexação da República do Transvaal pelos ingleses deu início a um nacionalismo africânder, que se reforçava na idéia de que os colonos holandeses eram uma nação única, falante de uma língua dada por Deus e perseguida por um inimigo pérfido. Preocupados com a diversidade de unidades políticas, os ingleses iniciaram guerras sangrentas contra a resistência zulu e as repúblicas bôeres.

Para consolidar a dominação inglesa, Alfred Milner, alto comissário britânico da África do Sul desde 1897, provocou a Segunda Guerra Anglo-Bôer, derrotando os africânderes e dominando Orange e o Transvaal.2 Afim de atender à necessidade de força de trabalho, Milner, sustentado pela ideologia do darwinismo social, intensificou as práticas relativas às reservas tribais, mais tarde chamadas de bantustões, e às leis do passe. O apartheid, após se consolidar como política, também reformulou sua ideologia. Esta, antes baseada na idéia da desigualdade, quando se tornou um projeto político passou a ser identificada como desenvolvimento separado. Os bantustões passaram a se chamar homelands e tornaram-se o ícone da separação racial (BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO, 1985, p. 55).

Para garantir a mão-de-obra negra, muitas medidas foram adotadas ainda no século XIX. Além da apropriação das terras dos povos nativos, foram instituídos impostos altos que obrigavam os negros a procurarem fontes de renda para pagá-los. Também as leis do passe compeliram os negros a conseguirem emprego em no máximo seis dias a partir de sua chegada em uma área de trabalho, sob pena de multa, prisão ou expulsão, caso o prazo não fosse cumprido. Os negros eram apenas permitidos fora das reservas tribais se fossem considerados força de trabalho essencial à economia branca. As idéias evolucionistas que encheram a Europa neste período ganharam significado especial no regime sul-africano. Os negros foram considerados uma raça forte, boa para trabalhos braçais e não apta à educação mais refinada. Respaldados nesta doutrina considerada "científica", muitos empregadores puderam ter suas consciências aplacadas, caso houvesse algum lampejo de dúvida a respeito do regime de apartheid.

A Lei da Terra, de 1913, impedia que negros possuíssem mais de 13% da área total do país, porcentagem referente aos bantustões. Rapidamente, estas áreas ficaram superlotadas, impedindo a agricultura e o pastoreio. Assim, os negros viram-se obrigados a vender sua força de trabalho aos brancos. Mesmo em áreas urbanas, a permanência de negros era restrita.

Como reação a este processo de proletarização e segregação dos negros, foi fundado o Congresso Nacional Africano (CNA), em 1912. Em 1914, o ex-general bôer, Barry Hertzog, fundou o Partido Nacional (PN), que proclamava um racismo radical. Em 1918, foi fundada a Liga Africânder dos Irmãos, uma organização semi-religiosa que mais tarde se tornou secreta (JONGE, 1991, p. 42). A Liga penetrou rapidamente em todas as esferas da sociedade, em associações culturais, igrejas, sindicatos e partidos. Seu papel foi fundamental na construção de um pensamento conservador e na reafirmação da obsessão por uma pureza racial.

A política de segregação racial do apartheid foi oficializada em 1948, com a chegada ao poder do Partido Nacional, que dominou a política por mais de quarenta anos. O apartheid impediu o acesso dos negros à propriedade da terra e à participação política e obrigou-os a viver em zonas residenciais segregadas. A Lei de Registro Populacional, de 1950, garantiu uma rígida hierarquização racial, outorgando direitos políticos, econômicos e sociais desiguais para cada uma das categorias raciais. A lei institucionalizou quatro categorias raciais – branco, mestiço, asiático e negro. A forma de classificação era arbitrária e baseada em critérios de aparência. Ser classificado como negro trazia conseqüências graves. A Lei das Áreas de Grupo, também de 1950, estabeleceu a separação espacial das categorias raciais, obrigando as pessoas a fixarem suas residências em áreas determinadas. A Lei da Conservação de Diversões Separadas instituiu o uso separado de praias, transportes, piscinas, bibliotecas, banheiros públicos, teatros, cinemas e praças. A segregação das áreas residenciais e locais e serviços públicos gerou a criação dos passes e dos assentamentos negros, chamados bantustões. Outras leis garantiam a posse da terra para os brancos, a proibição de casamentos mistos, a regulamentação da educação banto, a censura etc.

Havia muitas leis de controle ideológico, como o estabelecimento de punição para o jornal que publicasse qualquer artigo que "prejudicasse" as relações entre brancos e negros ou que afirmasse que o regime de apartheid era injusto. Da mesma forma, o branco que declarasse que as leis do apartheid eram injustas poderia ser condenado à prisão e ao pagamento de multas.

Na década de 1950, em reação a este conjunto de leis separatistas, a oposição ao apartheid tomou forma e o Congresso Nacional Africano lançou uma campanha de desobediência civil, que foi respondida com mais violência.3 Em 1960, o CNA organizou uma campanha antipasses – o negro que era pego sem o seu passe, um livrinho de quase cem páginas, era preso e punido. Em 21 de março, uma multidão de voluntários foi arregimentada para se apresentar sem seus passes em frente à delegacia de polícia de Shaperville, em uma demonstração pacífica de resistência. A manifestação foi reprimida com extrema violência, gerando 67 mortos. Como forma de repressão, o CNA foi declarado ilegal e seu líder, Nelson Mandela, foi preso e condenado à prisão perpétua em 1962. O Massacre de Shaperville, como ficou conhecido, provocou protestos no país e no exterior.

Em 1969, surgiu o Movimento da Consciência Negra, liderado por Steve Biko. Biko, influenciado por Frantz Fanon, lutava pela libertação psicológica do povo e contra a educação inferior e destrutiva dos valores dos povos negros. Quando o ministro-adjunto da Educação banta, Andries Treurnicht, um africânder conservador, quis introduzir a língua africânder nas escolas negras, alunos da cidade negra de Soweto, próxima a Joanesburgo, iniciaram uma greve, inspirados pelas idéias da Consciência Negra. Durante uma demonstração pacífica em 1976, muitas crianças foram mortas. As manifestações eclodiram em outras cidades e, no fim de dezesseis meses, já havia seiscentos mortos. Esses massacres chamaram a atenção internacional e fortaleceram o CNA, que operava no exílio.

Os governos dos primeiros-ministros Hendrik Verwoerd (1958-1966) e B. J. Vorster (1966-1978) recrudesceram a política de apartheid. Uma série de leis foram promulgadas para classificar e separar os negros em grupos étnicos, na tentativa de confiná-los em territórios tribais, denominados bantustões. Em 1976, P.W. Botha assumiu como primeiro-ministro, acirrando a luta contra a oposição. Ao mesmo tempo que crescia a repressão, Botha começava pequenas reformas para conquistar uma classe média negra. Em 1983, ele apresentou uma nova Constituição, referendada por 66% dos brancos, que previa alguma participação de outros grupos raciais que não os brancos na política. Mas a conjugação de reforma e repressão não funcionou para aplacar as reivindicações por democracia. Se, por um lado, as reformas mostravam disposição de abertura política, a repressão aumentava a opressão sobre os grupos negros.

Com o fim do império colonial português na África (1975) e a queda do governo de minoria branca na Rodésia, atual Zimbábue, o domínio branco na África do Sul entrou em crise. A militância negra cresceu cada vez mais e os problemas econômicos agravaram a situação. A queda do preço do ouro, principal produto de exportação, o custo das incursões na Namíbia e Angola, o custo do sistema de repressão interno e, principalmente, a reação estrangeira são fatores que contribuíram para a crise do regime.

Os bancos internacionais, pressionados pela sociedade civil estrangeira e por razões econômicas e políticas, cancelaram os créditos à África do Sul e exigiram o pagamento de seus débitos a curto prazo. A moeda caiu e houve fuga de capitais, espantando grandes empresas – como a General Motors, aKodak, a IBM, a Ford e a Coca-Cola – do país. Em 1984, uma revolta popular contra o apartheid levou o governo a decretar lei marcial, restringindo ainda mais os parcos direitos dos negros. A Organização das Nações Unidas (ONU) reagiu impondo sanções à África do Sul como forma de pressão. Acuado, Pieter Botha promoveu reformas, mas manteve os aspectos essenciais do regime racista. Paralelamente, no mundo todo crescia o movimento pela libertação de Mandela.

Em 1989, Botha sofreu um ataque cardíaco e abdicou da função de líder do Partido Nacional. Frederik W. De Klerk chegou à Presidência por meio de eleições em setembro de 1989. No dia 2 de fevereiro de 1990, De Klerk anunciou a legalização do CNA, do Partido Comunista, do Congresso Pan-Africano e de outros grupos de oposição, além da libertação de alguns presos políticos, dentre eles Mandela. A decisão também incluía uma moratória nas execuções de pena de morte e a revogação da censura da imprensa. Externamente, o clima de pós-Guerra Fria predominava. Com a nova configuração do sistema internacional, a África do Sul tornou-se um problema periférico, que não despertava o interesse nem da Rússia, que buscava se reestruturar, nem dos EUA, que já não sentiam a ameaça comunista no continente africano. Sem o apoio dos EUA, o regime conservador sul-africano não duraria muito.

Internamente, o Partido Conservador de Andries Treurnicht e a organização paramilitar e fascista de Eugene Terreblance–o Movimento de Resistência Africânder – logo se mostraram insatisfeitos com as reformas e, por meio de ameaças de violência, prometiam proteger os interesses da minoria branca. Pressionado pelas condições políticas internas e externas e pela economia, De Klerk começou a negociar a transição política.

Em 1990, Mandela foi libertado e o CNA recuperou a legalidade. As leis raciais foram revogadas e um plebiscito só para brancos, realizado em 1992, apontou que 69% dos votantes eram a favor do fimdo regime de apartheid. Assim, em 1994, foram convocadas as primeiras eleições multirraciais para um governo de transição, nas quais venceu Nelson Mandela.

A África do Sul elaborou sua Constituição de transição sem a mediação de forças externas, enfatizando a noção de contrato entre todas as partes envolvidas. A nova Constituição, de 1996, tentou equilibrar o poder de brancos e negros, procurando manter o espírito de compromisso entre as facções. O novo Estado operou largamente por meio da velha burocracia do apartheid, evitando qualquer ruptura mais brusca. Em muitos casos, isto causou ações de obstrução e manutenção do status quo, mas garantiu uma transição mais tranqüila.

Outro grande desafio era que a maioria das províncias estava dividida em linhas étnicas. O Nordeste do país é predominantemente tswana, a província de Free State é sotho, Kwa Zulu-Natal é zulu, Cabo Oriental é xhosa, Cabo Setentrional e Cabo Ocidental são predominantemente habitadas por povos africânderes (SELETI, 1998, p. 88). No entanto, a maioria dos partidos da transição, como o Congresso Nacional Africano e o Congresso Pan-Africano, não usaram as identidades étnicas em suas agendas políticas, evitando possíveis manipulações de ideologias nacionalistas e sectárias. Muitos apostaram que a África pós-apartheid iria se diluir em guerra étnica, mas isto não ocorreu.

A transição deu lugar à construção de uma nova história. A celebração de heróis e heroínas africanas passou a fazer parte do discurso político. Por meio de seus intelectuais, o CNA iniciou um processo de reinterpretação do passado para justificar o compromisso com a revolução democrática. O então presidente do CNA, Thabo Mbeki,4 discursando no estádio de Mafeking em dezembro de 1997, relembrou a resistência da província à ocupação colonial e depois a exaltou como baluarte da luta contra o apartheid. O simbolismo destas lembranças ajudou a refazer a identidade da África do Sul. A celebração do Dia de Shaka, um chefe zulu reconhecido pela luta contra o colonialismo, fez parte da tentativa de forjar um novo patriotismo. Em 1997, foi construída a estátua em memória de Steve Bantuboke Biko, o líder negro morto pela polícia no período do apartheid. A busca da Cabeça de Hintsa, um guerreiro e chefe xhosa que foi morto pelos britânicos no século XIX e que, segundo a lenda, teve sua cabeça levada para a Escócia, fez parte da busca de novos símbolos nacionais. O grande interesse da mídia e da comunidade científica em investigar se a cabeça encontrada na Escócia era mesmo do chefe xhosa produziu um novo movimento de recuperação da história de resistência (SELETI, 1998, p. 93).

Apesar da recuperação da cultura negra, o CNA preocupou-se em criar uma identidade nacional de um país unitário, não racista, multicultural e democrático. O arco-íris foi a marca e o símbolo deste novo Estado. Na busca de uma nova identidade sul-africana e a fim de evitar as divisões maléficas existentes no país, Mbeki (apud SELETI, 1998, p. 95, tradução minha) declarou na ocasião da adoção da nova Constituição em maio de 1997:

Nós estamos reunidos aqui hoje para comemorar a vitória na aquisição e exercício do direito de formular nossa própria definição do que significa ser sul-africano. A Constituição cuja adoção nós celebramos constitui uma declaração inequívoca de que nós nos recusamos a aceitar que nossa africanidade deve ser definida pela nossa raça, cor, gênero ou origem histórica [...]. Ela expressa concretamente o sentimento que compartilhamos como africanos [...] que o povo deve governar.5

Alguns partidos, como o ultradireitista Movimento de Resistência Africânder, liderado por Eugene Terreblanche, ainda continuaram suas tentativas de proteger as minorias, mas em geral o país embarcou na idéia da unidade.

A COMISSÃO DE VERDADE E RECONCONCILIAÇÃO

Não havia dúvidas quanto à necessidade de um novo começo para a África do Sul; a questão seria como o processo transicional se desenvolveria. Duas conferências foram organizadas em 1994 na Cidade do Cabo para discutir como lidar com o passado. A primeira conferência, em fevereiro, teve suas discussões publicadas no dossiê Dealing with the past: truth and reconciliation in South Africa. Representantes do leste europeu e da América Latina compartilharam suas experiências durante a conferência, mostrando diversos modelos de justiça transicional. A segunda conferência ocorreu em julho, focando principalmente as organizações sul-africanas. Muitas organizações sul-africanas, dos dois lados do problema, opuseram-se à criação de uma comissão de verdade e não enviaram delegados. O resultado da conferência foi publicado no dossiê The healing of a nation.

A idéia da comissão de verdade começou, ironicamente, com as acusações de abusos aos direitos humanos cometidos pelo Congresso Nacional Africano em alguns campos no exílio. A resposta do Congresso foi instaurar uma comissão de inquérito. Em março de 1992, o presidente Nelson Mandela criou a Comissão de Inquérito sobre as Reclamações feitas por Antigos Prisioneiros e Detidos pelo Congresso Nacional Africano. A Comissão estava focada principalmente nos eventos ocorridos nos campos de detenção localizados no sudeste da África, como Angola, Tanzânia e Zâmbia. O Congresso Nacional Africano representa o único caso de entidade não-governamental – configurada como um movimento de oposição e de resistência armada – que estabeleceu uma comissão para investigar e publicar o relatório dos seus próprios abusos aos direitos humanos. Sete meses depois, a Comissão submeteu à Presidência um relatório de 74 páginas detalhando as atrocidades cometidas nos campos de detenção. O relatório foi publicado, atraindo a atenção internacional e forçando o Congresso Nacional Africano a responder publicamente às acusações, mas nenhum indivíduo foi pessoalmente acusado. O relatório final foi muito criticado por falta de imparcialidade, decorrente da participação de alguns membros do CNA entre os comissionados.6 Assim, uma segunda comissão foi instaurada.

Logo depois de terminado o trabalho desta Comissão em 1992, Nelson Mandela nomeou uma nova comissão de inquérito, também para investigar abusos do Congresso Nacional Africano e responder às críticas referentes à parcialidade das conclusões. A nova comissão foi liderada por três pessoas, um representante da África do Sul, um dos EUA e um do Zimbábue. O trabalho da segunda Comissão foi realizado de maneira mais formal, com a nomeação de um grupo de defensores para representar os acusados, podendo as vítimas também serem representadas por advogados. O relatório chegou às mesmas conclusões do primeiro, mas citando o nome de indivíduos específicos, acusados de violação aos direitos humanos. O CNA respondeu comumlongo discurso aceitando as conclusões gerais e reivindicando que uma nova comissão de verdade fosse criada para investigar os abusos cometidos por ambos os lados desde 1948 (HAYNER, 2002, p. 60).

Depois de dezoito meses de intenso debate e preparação, o parlamento sul-africano aprovou o Ato de Promoção da Unidade e Reconciliação Nacional, em 1995, que estabelecia a Comissão de Verdade e Reconciliação. A Comissão foi chefiada pelo arcebispo Desmond Tutu. As audiências começaram em 1996, e o relatório de cinco volumes foi publicado em outubro de 1998. Foram ouvidos testemunhos de mais de 23 mil vítimas e testemunhas, sendo mais de duas mil em audiências públicas (VILLA-VICENCIO; VERWOERD, 2000, p. 284).

Em 1995, quando a África do Sul pós-apartheid estabeleceu a Comissão de Verdade e Reconciliação, recebeu duras críticas dos ativistas ocidentais por oferecer anistia aos agentes da opressão. Todavia, os procedimentos foram baseados na idéia de justiça restaurativa e não retributiva. Apesar da anistia, o reconhecimento da verdade e a rejeição social dos atos cometidos funcionaram como um processo de reprovação moral. O arcebispo anglicano Desmond Tutu, um dos maiores defensores das comissões de verdade e da justiça restaurativa, ressaltou que esta visão é baseada não só em idéias cristãs de perdão para aqueles que reconhecem seus erros como também no conceito indígena africano de ubuntu.

A definição de ubuntu, desenvolvida por Tutu, está ligada à busca por harmonia social. Em suas palavras, "um ser humano só é um ser humano por meio de outros e, se um deles é humilhado ou diminuído, o outro o será igualmente" (TUTU, 2000, p. 35, tradução minha). É a idéia de compartilhamento, de pertencimento a uma comunidade.
Para ele, uma justiça nos moldes de Nuremberg não seria possível na África do Sul, porque poria em risco a transição pacífica e negociada. Nenhum lado poderia impor uma justiça dos vencedores, pois nenhum lado teve uma vitória definitiva: "Enquanto os Aliados podiam fazer as malas e voltar para casa depois de Nuremberg, nós na África do Sul temos que conviver uns com os outros" (TUTU, 2000, p. 21, tradução minha).

Outro problema levantado pelo bispo é o custo dos julgamentos. Um país que precisa investir em educação, alimentação, moradia e saúde não poderia arcar com os custos dos julgamentos formais. Só o julgamento do ex-ministro da Defesa, general Magnus Malan, custou cerca de 2 milhões de dólares (TUTU, 2000, p. 23).

O conceito de justiça, neste caso, visa mais o aspecto restaurador do que o punitivo. De acordo com Tutu (apud MINOW, 1998, p. 81, tradução minha),

[...] justiça retributiva é largamente ocidental. O entendimento africano é muito mais restaurativo – não tanto para punir como para compensar e restaurar o equilíbrio que foi quebrado. A justiça que esperamos é restauradora da dignidade das pessoas.

Justiça, neste aspecto, torna-se um conceito mais amplo e ambicioso, que estrapola o caráter da coerção e retribuição para atingir os níveis de dignidade moral e social. A sociedade torna-se parte fundamental no processo, que inclui a vítima como protagonista. O acusado é responsabilizado, mas sua punição tem caráter moral, fazendo com que reflita sobre sua participação no apartheid e sobre as conseqüências de seus atos. Nem todos se arrependem, mas a confrontação com a vítima e com a conscientização dos danos que causou evita que posturas de negação se sustentem.

Na África do Sul, o Ato de Promoção da Unidade e Reconciliação Nacional, promulgado para cobrir o período de 1º de março de 1960, o mês do Massacre de Shaperville, até 5 de dezembro de 1993, estabeleceu como meta produzir a unidade e a reconciliação promovendo a investigação e o total esclarecimento das maciças violações aos direitos humanos cometidas no passado. Ele estava baseado no princípio de que reconciliação depende de perdão e que este pode ser alcançado somente se as violações aos direitos humanos forem esclarecidas. A revelação da verdade surge como o fundamento para a reconciliação.

Quanto à abrangência temporal da jurisdição da Comissão de Verdade, as posições foram divergentes. A África do Sul tem experimentado racismo e opressão desde a chegada dos primeiros colonizadores. Muitos, portanto, alegaram que a jurisdição temporal da Comissão de Verdade deveria começar em 1652. Outros consideraram que a data de início deveria ser 1910, quando a primeira Constituição, já repleta de discriminação e de valorização da hegemonia branca, foi promulgada. Ainda houve quem considerasse o melhor termo o ano de 1948, quando o Partido Nacional subiu ao poder. Mas, depois de cuidadosa análise, o Comitê de Justiça do Parlamento decidiu por março de 1960, coincidindo com o banimento das organizações políticas, o recrudescimento da opressão contra a resistência ao apartheid e o massacre de Shaperville (BORAINE, 2000, p. 141).

Em 20 de outubro de 1998, a Comissão de Verdade publicou seu relatório final, sob as críticas principalmente da elite branca e do Partido da Liberdade Inkatha, de defesa radical dos interesses zulu. A principal crítica foi a de que o relatório foi fruto de uma caça às bruxas. Por outro lado, algumas vítimas se mostraram insatisfeitas com a falta de punição.

A Comissão procurou a diversidade de seus componentes. Em sua primeira reunião, havia dez negros e seis brancos, incluindo dois africânderes. Politicamente, a Comissão englobava desde a direita conservadora até a esquerda libertária, além de cristãos, muçulmanos, hindus e agnósticos (TUTU, 2000, p. 74). O Ato instituía dezessete comissionados, trabalhando em tempo integral, e criava três diferentes comitês: o Comitê de Direitos Humanos, que conduzia as audiências públicas das vítimas e sobreviventes; o Comitê de Reparação e Reabilitação, que tratava da política de reparação e assistência; e o Comitê de Anistia, que ouvia e avaliava os pedidos de anistia (BORAINE, 2000, p. 145-146).

A Comissão decidiu regionalizar as audiências, operando em Durban, East London, Johannesburg e Cidade do Cabo. A primeira audiência foi escolhida estrategicamente em Cabo Oriental, onde nasceram os principais membros da resistência, como Mandela, Biko, Thabo Mbeki entre outros. Também foi onde ocorreram os principais enfrentamentos entre os nativos e a ocupação branca.

Os objetivos da Comissão estavam centrados na unidade nacional e na reconciliação como oposição ao conflito e às divisões do passado. Porém, os termos "unidade nacional" e "reconciliação" não foram definidos no Ato. Pode-se, entretanto, extrair, com base no seu Relatório Final, dos três principais objetivos da Comissão, o que se quer buscar a fim de promover a reconciliação:

A) VERDADE

Estabelecer um completo cenário das causas, natureza e extensão das violações aos direitos humanos que foram cometidas durante o período discriminado, incluindo antecedentes, circunstâncias, fatores e contexto das violações, além das perspectivas das vítimas e os motivos e percepções das pessoas consideradas responsáveis, conduzindo, para isto, investigações e oitivas. As idéias prevalecentes são a de que a memória constitui a identidade de uma sociedade e de que a África do Sul precisa de uma nova identidade, baseada em uma nova ordem moral. Assim, ninguém de boa fé poderá negar o passado, distorcendo os fatos a favor dos interesses de alguns grupos.

É com um que governos neguem a ocorrência de violação e criem mitos a respeito dos fatos. Os sérvios negaram a ocorrência de massacres na Bósnia até que covas coletivas foram desvendadas. Da mesma forma, o governo sul-africano construiu, com a ajuda da mídia, o mito do negro selvagem e perigoso, que estava sendo disciplinado para se desenvolver, mas nunca oprimido. A África do Sul viveu um longo período em que a mentira e a dissimulação eram a base da política governamental. O rádio, a televisão e o sistema educacional eram veículos de reforço do regime opressivo. Desde pequenas, as crianças eram educadas e moldadas para viverem neste sistema de preconceito e separação.

Analisando o Relatório Final, percebe-se que a Comissão de Verdade distinguiu entre quatro tipos de verdade: a primeira é a verdade factual, que buscava um amplo relato que compreendia as atividades e as descobertas baseadas em informações factuais e evidências coletadas ou recebidas pela Comissão ou colocadas à sua disposição por órgãos governamentais ou organizações privadas. A segunda é a verdade pessoal, baseada na história individual contada pelas vítimas e pelos perpetradores, dando significado a suas experiências pessoais e, assim, permitindo a restauração da dignidade humana e civil das vítimas, dando a elas a oportunidade de relatar sua versão das violações que sofreram. A terceira é a verdade social ou dialógica, ou seja, a verdade instituída por meio da interação, da discussão e do debate. E, finalmente, a quarta é a verdade restaurativa ou curativa, que requer o reconhecimento e a reprovação moral do passado e a construção de uma nova memória coletiva.

Tutu (2000, p. 30) cita a peça do dramaturgo chileno, Ariel Dorfman, "A morte e a donzela", para exemplificar o poder curativo do reconhecimento da verdade. A peça conta que, enquanto a mulher estava ocupada na cozinha, um homem, cujo carro quebrara em frente à sua casa, estava conversando com seu marido. A mulher não o viu, mas identificou sua voz como a daquele que a havia torturado e estuprado na prisão. Ela então pega uma arma e aponta para ele e está pronta a matar enquanto ele nega o fato e elabora um álibi. Quando ele finalmente assume que a torturou, ela larga a arma e o deixa ir. Assim, fica clara a idéia de que o reconhecimento do crime é peça fundamental para o perdão.

A viúva de Mapetla Mohapi, líder do Movimento da Consciência Negra, que foi encontrado em sua cela enforcado e com um bilhete de suicídio, sempre acreditou que ele tivesse sido assassinado. No entanto, nenhum processo legal para saber a verdade ou uma ação civil levou a algum resultado. Pelo contrário, ela foi multada várias vezes em somas altas por estar "criando problemas". A única coisa que ela queria era saber a verdade sobre a morte de seu marido. Dezenove anos depois, ela foi ouvida pela Comissão de Verdade e testemunhou que o ambiente amigável da Comissão e o interesse em saber de sua história a fez sentir-se honrada e com a sua dignidade restaurada (BORAINE, 2000, p. 160).

Sem a Comissão de Verdade, a revelação dos fatos ficaria bem limitada. Mesmo julgamentos criminais dão uma parcela muito restrita dos acontecimentos, apenas o suficiente para estabelecer a responsabilidade do acusado. O reconhecimento, como veículo de transformação de uma sociedade, vai além da descoberta de quem matou; ela surge para alterar valores e reconstruir o passado em novas bases.

B) PERDÃO E ANISTIA

O objetivo mais controverso do Ato de instituição da Comissão de Verdade é, sem dúvida, o de facilitar a anistia das pessoas que esclarecerem completamente os fatos relevantes relacionados aos atos associados com objetivos políticos. Mas sua ênfase é clara no reconhecimento e na verdade, mais do que na punição. É psicologicamente vital para as famílias das vítimas saberem o que ocorreu, e esse esclarecimento é também necessário para que haja reparação e compensação adequadas. Por isso, a anistia surge como instrumento de obtenção da verdade.

Para obter a anistia, o violador não precisa mostrar remorso, basta convencer a Comissão de que os atos cometidos tiveram objetivos políticos e que foram amplamente esclarecidos. Este processo é baseado na reciprocidade – sobreviventes podem contar suas histórias publicamente, ter o reconhecimento oficial e receber reparações. Por outro lado, os agentes também podem construir sua narrativa dos fatos e receber a anistia. No processo de anistia da África do Sul, o violador tem de se identificar como culpado e descrever minimamente os atos pelos quais acredita que precisa de anistia. Aqueles que requerem anistia por violações mais graves devem participar das audiências públicas e ser questionados pela Comissão e, em alguns casos, pelas vítimas e famílias das vítimas. O requerente tem de assumir a responsabilidade pelos seus atos de maneira específica e individual, ao contrário dos processos de anistia geral. Os anistiados são identificados e impedidos de ocupar posições que lhes permitam repetir a violência.

A Comissão concedeu a anistia para mais de mil, dentre cerca de 7 mil requerentes, e, apesar das críticas vindas de organizações internacionais, dos partidos políticos e das vítimas, o governo acredita que a anistia foi a única transição possível, entre a anistia geral sem responsabilização e os julgamentos criminais (HAYNER, 2002, p. 44). O Comitê de Anistia recebe os pedidos e tem a prerrogativa de negá-los. Da mesma forma, pode fazer recomendações às autoridades judiciais apropriadas para que haja julgamento judicial.

Nesta balança, em que as vítimas recebem compensação e desistem da vingança e os perpetradores confessam a culpa e são anistiados, fica reforçado o caráter restaurativo da justiça. Os indivíduos desistem do seu direito de retribuição em favor da estabilidade e paz futura. Mas não sem antes ter o devido acesso à verdade e à reprovação moral.

O perdão é umpasso fundamental para a real reconciliação. Segundo Hannah Arendt (1997), o perdão não está limitado à vida privada, mas pode estar ligado à vida pública. O perdão na vida pública tem se mostrado uma experiência política complexa, mas autêntica:

[...] a única solução possível para o problema da irreversibilidade – a impossibilidade de se desfazer o que se fez, embora não se soubesse nem se pudesse saber o que se fazia – é a faculdade de perdoar. A solução para o problema da imprevisibilidade, da caótica incerteza do futuro, está contida na faculdade de prometer e cumprir promessas. (Arendt, 1997, p. 248).

Embora a lei de anistia não requeira a demonstração de remorso ou arrependimento, a divulgação pública torna-se uma forma de exposição e humilhação. Muitos membros das forças de segurança que pleitearam anistia eram pessoas respeitáveis em sua comunidade e muitas vezes nem sua família tinha idéia das atrocidades que cometera. A punição nestes casos é de caráter moral, configurando a perda da honra pessoal. A comunidade, assim, participa da decisão de aceitação ou rejeição do perpetrador no seu seio novamente.

Desmond Tutu (2000) nega que a anistia encoraje a impunidade porque a anistia na África do Sul só é dada a quem reconhece sua responsabilidade e afirma ser culpado. A justiça, neste caso, seria falha somente tomando-se em conta o conceito de justiça retributiva, mas não de justiça restaurativa. No espírito do ubuntu, a restauração das relações quebradas, a reabilitação da vítima e do violador e a cura das feridas são as metas mais importantes.

Embora Tutu procure associar a justiça restaurativa e o perdão à tradição africana, seu fundamento está bastante ligado à idéia de graça cristã. A graça, referida como favor imerecido, é o que fundamenta a necessidade de perdão por parte dos cristãos. Da mesma forma, o perdão também é associado ao processo de restauração do transgressor. A obra de Victor Hugo Os miseráveis ilustra como o perdão pode restaurar um espírito duro e amargurado, pronto para a transgressão social.7
Sem esse processo de troca – "anistia pela verdade" – não teria sido possível desvendar tantos casos de morte, tortura e seqüestros. Esse processo não tem paralelos em nenhuma outra transição, constituindo uma característica única da África do Sul. O ato criminoso é reprovado legalmente e em público, o relatório é publicado e os culpados são declarados, mas a punição tem um caráter social e moral.

C) RECONHECIMENTO E RESTAURAÇÃO

Uma das principais metas expressas no Ato é restaurar a dignidade humana e civil das vítimas, dando-lhes a oportunidade de relatar seu sofrimento relativo aos abusos que sofreram e recomendando medidas de reparação. O pressuposto de que as vítimas e suas famílias precisam de atenção e respeito é a base para a justiça restaurativa.
Muitos sobreviventes têm atestado o poder curativo de prestar depoimento perante um oficial da Comissão de Verdade depois de uma vida inteira sendo ignorados, desrespeitados e oprimidos por agentes do Estado. Um homem sul-africano respondeu a um oficial da Comissão de Verdade, quando perguntado o que sentia depois de prestado o testemunho: "Eu sinto que o que me deixava doente era o fato de não poder contar minha história. Mas agora... é como se eu recuperasse minha visão vindo aqui" (KISS, 2000, p. 72, tradução minha). Segundo o relatório final da Comissão, os testemunhos das vítimas não são tratados como alegações em uma corte judicial, mas como uma verdade pessoal que fornece uma idéia única da dor que a África do Sul suportou. As audiências também visam entender os motivos e as perspectivas das pessoas responsáveis pelas violações aos direitos humanos. Assim, o processo é dialógico, buscando restaurar a dignidade de ambos os lados.

A abordagem restaurativa confronta e desaprova as transgressões, afirmando o valor intrínseco da pessoa do transgressor. A essência da justiça restaurativa é a resolução de problemas de forma colaborativa. Práticas restaurativas proporcionam, àqueles que foram prejudicados por um incidente, a oportunidade de reunião para expressar seus sentimentos, descrever como foram afetados e desenvolver um plano para reparar os danos ou evitar que aconteça de novo. A abordagem restaurativa é reintegradora e permite que o transgressor repare danos e não seja mais visto como tal.

A presença do arcebispo em um órgão quase judicial não foi à toa. Embora a Comissão tivesse vários advogados e juristas, a presença do arcebispo Tutu garantia uma atmosfera de confiança e conforto. O discurso religioso é mais afeito à ênfase no perdão, na reconciliação e na reabilitação, conceitos estranhos ao discurso político e jurídico. As vítimas e testemunhas eram acompanhadas por pessoas que sentavam ao seu lado enquanto elas testemunhavam. Água e lenços eram fornecidos quando necessário. Tudo para criar um ambiente amistoso e confortável. Tentava-se tirar a impressão de que os depoentes estavam sentados em um banco dos réus e, por isso, ficavam sentados no mesmo nível dos comissionados.

Em um sistema violento e opressivo, a mensagem que é passada às vítimas é a de que são pessoas marginais ou irrelevantes. A auto-estima e respeito próprio, ou seja, a própria identidade é afetada e precisa ser reconstruída. Justiça restaurativa, emresposta a um legado de opressão e violência, significa restaurar a dignidade e dar voz às vítimas de injustiça, responsabilizar os agentes da injustiça e dar condições para que todos sejam tratados com respeito. Ao privilegiar a reconciliação e a reparação a despeito da punição, a justiça restaurativa requer uma parcela de fé na possibilidade de transformação moral das pessoas e das instituições. Como Arendt (1997) nos lembra, punição e perdão são caminhos alternativos à vingança e de busca de construção de uma ordem moral legítima. O problema dos conflitos vai além de uma ordem legal, mas passa pela ordem moral. Em alguns casos, como na África do Sul, a ordem legal era bem estabelecida, mas, como no Terceiro Reich, por exemplo, era moralmente reprovável. Portanto, tanto a justiça retributiva quanto a restaurativa têm seu papel definido na reconstrução moral da sociedade, mas a restaurativa é mais ambiciosa nos seus objetivos. Extrapola os limites da mera resposta aos interesses e direitos das vítimas e procura atingir, de forma mais eficaz, o nível da reprovação moral e da restauração da dignidade.

PERSPECTIVAS DA TRANSIÇÃO

O exemplo dado pela África do Sul é o de que as sociedades devem-se prevenir da recorrência das atrocidades passadas afastando-se do efeito corrosivo da mágoa e da vingança. As Comissões de Verdade surgem como uma tentativa de revelar os fatos e de tratar, em um nível mais profundo, a ferida social em sociedades que emergem de governos totalitários ou de guerras que deixam um rastro de opressão e mentira.
As primeiras comissões – Uganda, Bolívia, Argentina, Zimbábue, Uruguai, Filipinas, Chile e outras – não ouviram os testemunhos em público por medo de represálias e, neste sentido, a Comissão de Verdade e Reconciliação da África do Sul serve como exemplo principal de publicidade e transparência. Em um país em que o terror se tornou um dos principais instrumentos do controle estatal sobre os negros, mestiços e indianos, baseado em uma propaganda pesada e enganosa que mostrava os não-brancos como bárbaros, violentos e inferiores, a construção da verdade surge como principal aliada na reconstrução nacional.

A história do passado não é apenas uma. Surgem várias vozes para explicar o que ocorreu. A verdade vai surgir à medida que essas vozes forem ouvidas e se puder construir um amplo espectro de versões que vão dando forma aos fatos. É a construção não só da verdade, mas também da memória coletiva, que pode servir para aguçar ou acalmar animosidades entre as diversas facções sociais. A reprovação moral de toda a sociedade é o primeiro passo para o recomeço.

Uma novidade no relatório da Comissão de Verdade e Reconciliação da África do Sul é a afirmação de que a linguagem ideológica é um dos principais fatores que contribuíram para as violações dos direitos humanos. Baseado no construtivismo social, o argumento é de que a linguagem "faz" coisas como dar ordens, criar conspirações, construir inimigos e motivar pessoas a agir. Dessa forma, uma nova linguagem tem de ser estabelecida como instrumento de paz e unidade no país.
As comissões de verdade são um novo instrumento capaz de fortalecer a sociedade civil e promover uma justiça restaurativa porque elas têm um papel investigativo, judicial, político, educativo e terapêutico, simultaneamente. Elas podem alcançar ambições morais, de restauração de valores em uma sociedade em transição, influenciando a reconstrução sadia da identidade nacional. No centro desta inovação, está uma justiça centrada na vítima e não no réu. A meta é reorientar uma sociedade que perdeu seu parâmetro moral, que não é recuperado apenas com julgamentos criminais ou leis de purificação. O ponto principal é ajudar a comunidade a criar uma história compartilhada como base para a cooperação política futura.
Embora em muitos países já se houvesse experimentado Comissões de Verdade, a da África do Sul foi única em sua contingência moral, legal e social. Seu mandato era bem abrangente e ambicioso. O confronto com o passado foi largamente noticiado pela mídia e as audiências públicas foram acompanhadas em todo o país. Ninguém – vítimas, violadores ou os omissos –,8 deixou de ser envolvido. A Comissão de Verdade encorajou todos os sul-africanos a refletirem sobre os abusos que cometeram, ainda que estivessem fora da jurisdição da Comissão, que trata somente das graves violações aos direitos humanos como assassinatos, estupros e tortura.9 A Comissão criou ainda um órgão próprio para receber reflexões pessoais de quem desejasse enviar declarações reconhecendo sua responsabilidade direta ou indireta pela opressão do apartheid.

Em sociedades devastadas pela violência e pela divisão hostil entre classes ou etnias, a comissão de verdade opera como a opção mais eficiente para a reconciliação e cura dos traumas individuais e coletivos. Na África do Sul, a Comissão de Verdade e Reconciliação não substituiu os julgamentos criminais. Houve muitos julgamentos paralelos. Mas a contribuição para a restauração da dignidade nacional e para a reprovação moral da segregação deu-se principalmente por meio das audiências conduzidas pela Comissão.

Como transformar uma sociedade econômica e politicamente baseada na raça, separação tradicionalmente construída ao longo de décadas, em uma sociedade baseada em padrões não raciais e não sexistas? Uma mudança estrutural deste calibre deve ser baseada em uma perspectiva moral de construção de uma nova legitimidade, de novos valores. Esta construção de novos valores e normas esbarra em interesses há muito estabelecidos. Toda a economia da África do Sul estava fundada no apartheid. A indústria da exploração mineral e a agricultura sustentaram-se na exploração da mão-de-obra negra, em umsistema trabalhista repressivo. O acesso privilegiado a terras também garantia aos brancos a primazia econômica. Reverter esta situação não é simples, mas possível. Medidas compensatórias e ações afirmativas são políticas necessárias para desmantelar um sistema que, ainda que não mais baseado na diferença racial, continua firmado no abismo econômico.

Muitos ativistas de direitos humanos e acadêmicos defendem que a melhor resposta às atrocidades é o julgamento criminal. No entanto, em regimes criminosos, em que é impossível separar vítimas de violadores, sendo difícil distinguir crime de sistema criminoso, as comissões de verdade surgem como a alternativa mais apropriada para apurar os fatos, uma vez que permitem um amplo espectro de declarações, oitivas e testemunhos. Fica mais claro o papel do sistema na medida em que são valorizadas as perspectivas de todas as partes envolvidas. O apartheid é um sistema de engenharia social e política que atinge todas as áreas da vida, do nascimento à morte – define questões de terra, moradia, educação, transporte, saúde, esportes, alimentação e enterro. Avaliar seu papel na configuração das relações sociais do país requer muito mais do que um julgamento formal e limitado de avaliação de culpa e punição.
O testemunho das vítimas levou muitos brancos a reconhecerem sua responsabilidade, ainda que por omissão, e a converterem seus valores e modos de pensar. Esses depoimentos forneceram muito mais do que fatos objetivos ou informações frias. Forneceram a base para uma nova sociedade cujo lema principal é nunca mais!




NOTAS

1. Os colonos holandeses eram chamados de "bôeres" pelos britânicos, mas se autodenominavam africânderes, desenvolvendo sua própria língua – o africânder.
2. Sobre as guerras bôeres, ver Pakenham (1992, p. 40-71).
3. Para mais informações, ver: .
4. Mbeki tornou-se presidente da África do Sul nas eleições de 1999.
5. Esta citação, assim como as demais citações escritas originalmente em língua estrangeira, foram traduzidas livremente para este artigo.
6. Dois de seus três membros eram integrantes do CNA.
7. O personagem principal de Victor Hugo, Jean Valjean, depois de passar alguns anos na prisão por ser pego furtando pão, passa dias procurando onde ficar, antes de ser recebido por um bispo em sua casa. Valjean aproveita a oportunidade para lhe furtar as pratarias e fugir. Pego por alguns soldados, que o levam ao encontro do bispo, Valjean é surpreendido pela reação de graça e perdão do bispo, que afirma aos policiais que havia pessoalmente presenteado o ladrão com tais pratarias. Esta atitude do bispo provoca um processo de restauração e reintegração social do miserável personagem (HUGO, 2001).
8. Chamados de bystanders.
9. A Comissão de Verdade e Reconciliação é limitada aos casos de grave violação aos direitos humanos, o que exclui outros casos como as mais de 3,5 milhões de pessoas que foram forçadamente realocadas entre 1960 e 1982.


Referências Bibliográficas

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BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. 8. ed. Brasília: Editora UnB, 1985. 2 vol. [ Links ]
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HAYNER, Priscilla. Unspeakable truths: confronting state terror and atrocities. London: Routledge, 2002. [ Links ]
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VILLA-VICENCIO, Charles; VERWOERD, Wilhelm. Looking back reaching forward: reflections on the Truth and Reconciliation Commission of South Africa. Cape Town: University of Cape Town Press, 2000. [ Links ]



Artigo recebido em agosto de 2006 e aprovado para publicação em maio de 2007.



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FONTE:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-85292007000200005