sábado, 6 de novembro de 2010

Relativismo moral e aborto

Por Percival Puggina | 23 Março 2009

RESUMO: Os militantes do ceticismo olham para um feto com 10 semanas de gestação – cabeça, tronco, membros, coraçãozinho pulsante, pezinhos de um centímetro – e sugerem tratar-se de “coisa”. Coisa expurgável, como muco nasal, ou extraível, como cálculo biliar. Percebeu o paradoxo, leitor?



Não por acaso, Paul Johnson abre seu extraordinário “Tempos Modernos” com um capítulo sobre o relativismo moral. Trata-se de tema central do século. Johnson adota como ponto de partida para suas reflexões a meticulosidade que marcou o trabalho de Einstein na Teoria da Relatividade. Como se sabe, a comprovação foi alcançada com medições astronômicas feitas durante o eclipse de 29/05/1919. Naquela noite, enquanto a Física era erguida a novos degraus, muitos filósofos deslizavam pelo corrimão, extraindo do fato mais do que ele podia fornecer. Se tempo e espaço são relativos – alardearam – não há mais verdades nem certezas; não há mais certo nem errado. Era o clarim de alvorada para o relativismo moral. E era o avesso de tudo pelo que Einstein se empenhara. Sua contrariedade diante da apropriação
indébita da relatividade pelo relativismo foi tanta, registra Paul Johnson, que o grande homem da ciência arquejou: soubesse disso teria preferido ser relojoeiro!

Uma coisa é reconhecer a incerteza que caracteriza certas áreas e etapas do conhecimento. Outra é armar barraca nos porões da dúvida sobre tudo e todos. No entanto, a moral relativista alonga os cílios, requebra os quadris e se faz sedutora pela completa liberalidade que disponibiliza. Eu acho, tu achas, ele acha e ninguém tem nada com isso, tá sabendo mano? E a mente, por esse caminho, vai virando uma pipoqueira de dúvidas confortáveis. Se tudo é incerto e relativo não há valores permanentes, limites determináveis nem proibições admissíveis. Família já era, postes fazem xixi nos cachorros e alunos espancam professores.

Vá que seja, estou exagerando um nadinha porque os relativistas têm lá suas convicções. Poucas, mas têm. Uma delas, por exemplo, afirma que os totalitarismos se fundam sobre certezas que não admitem contestação. Estão corretos. É fato histórico. Mas então nem tudo é tão incerto? Existem algumas certezas? Tipo assim: o Inter venceu o Gre-Nal? Os totalitarismos são uma grande droga? Assino embaixo.

Testemos outro acordo: o fato de que só o aborto consegue ceifar mais vidas humanas do que o comunismo entra, também, nessa galeria dos nossos consensos? Suspeito que não. Os militantes do ceticismo olham para um feto com 10 semanas de gestação – cabeça, tronco, membros, coraçãozinho pulsante, pezinhos de um centímetro – e sugerem tratar-se de “coisa”. Coisa expurgável, como muco nasal, ou extraível, como cálculo biliar. Percebeu o paradoxo, leitor? Esse duvidar a tal ponto dos próprios olhos ou é um problema oftalmológico (uma catarata da Razão), ou é o máximo em matéria de fé! Fé na própria dúvida, a despeito de toda evidência.

Os relativistas escamoteiam o fato de que suas incertezas também determinam uma “moralidade”. E é uma “moralidade” pimpona, cheia de si, do topo de cujos saltos altos exerce sua militância materialista, antiteísta e anticatólica. Atenção, porém! Nada há de novo ou moderninho nesse combate à moral contida nos Dez Mandamentos e no Direito Natural. O estado ateu, o apartheid que transforma em subcidadãos os que têm fé, o direito sem referências morais e o materialismo como religião são as unhas e os dentes de sistemas que patrocinaram e patrocinam os grandes horrores dos últimos cem anos. É tudo coisa já testada. E reprovada. Seu alvo são as virtudes e os valores inerentes à tradição judaico-cristã, arrimo dos princípios da dignidade da pessoa humana, do bem comum, da solidariedade, do zelo prioritário pelos mais carentes e de todos os grandes fundamentos da Justiça.

O ateísmo da pseudociência de Stephen Hawking

Por Matthew Cullinan Hoffman | 29 Setembro 2010


RESUMO: Os erros no pensamento de Hawking vão muito mais fundo do que as incoerências e especulações em seu uso da física moderna. Eles implicam interpretação incorreta fundamental acerca das diferenças entre as ciências naturais e as ciências da filosofia e teologia.



Stephen Hawking, professor de física mundialmente famoso, está provocando polêmicas e manchetes ao afirmar em seu livro recente "The Grand Design" (O Plano Magistral) que Deus não é necessário para explicar a existência do universo porque, nas palavras dele, "conforme indicam recentes avanços na cosmologia, as leis da gravidade e a teoria quântica permitem que o universo apareça espontaneamente do nada"." A criação espontânea é a razão de que há algo, em vez de nada, a razão de o universo existir, a razão por que existimos", acrescenta ele. "Não é necessário invocar Deus para acender o detonador e colocar o universo em movimento".

Embora o livro não esteja ainda disponível ao público e somente poucos parágrafos tenham sido citados nos meios de comunicação comerciais, parece que Hawking está fazendo o mesmo jogo que ele fez em sua obra celebrada, "A Brief History of Time" (Uma Breve História do Tempo), que estabeleceu sua fama na década de 1980 e vendeu milhões de exemplares no mundo inteiro. Ele pega teorias que ele confessa não foram comprovadas de modo conclusivo, então usa truques e ilusões verbais para começar a tratá-las sutilmente como fatos. Pior ainda, porém, é seu método de torcer ridículas conclusões filosóficas a partir de tais teorias, insinuando que elas são simplesmente resultado da ciência.

Hawking faz confusão na teoria da "flutuação do vácuo" ao insinuar que a matéria pode de forma simples e espontânea aparecer, criada do "nada". Uma flutuação do vácuo é um evento em que as forças da natureza se manifestam brevemente como "partículas virtuais", de modo que não dá para observá-las brevemente de forma direta, e então desaparecem. Tais entidades teóricas parecem ter um bom apoio da evidência experimental. Contudo, a física não abandonou o princípio da conservação da massa e energia, e o "nada" do qual tais partículas recebem sua massa é de fato algo bem real, conhecido como "energia do vácuo", que permeia todo o espaço.

Os "cosmólogos do quantum", tais como Hawking, estão fazendo uma pequena indústria de especular que eventos como as flutuações do vácuo poderiam resultar na criação de mundos inteiramente novos, embora não tenham nenhuma prova experimental direta de tais eventos ocorrendo. Isso está de acordo com a obsessão geral de Hawking com conceitos altamente teóricos que têm poucos dados reais e concretos para apoiá-los. Ele tem, por exemplo, gasto muitos anos teorizando sobre as propriedades dos buracos negros, entidades cuja própria existência permanece sem provas. É por isso que, apesar de sua grande fama e capacidade inquestionada, ele nunca recebeu o Prêmio Nobel de Física.

Em seu mais recente lance de obter publicidade, Hawking parece estar empregando sua costumeira loquacidade recheada de tapeações para insinuar o aparecimento "espontâneo" do mundo físico, onde o próprio Nada é o criador. A teoria dele frisa flutuações do vácuo, mas aparentemente fugiu da memória dele que a lei da conservação da energia permanece um princípio estabelecido da física. Ele define o "nada" de uma maneira bastante peculiar - aparentemente a energia do vácuo é o "nada". Além disso, Hawking cita dois "nadas" em particular para justificar sua teoria de algo-do-nada, os quais são as leis da gravidade e mecânica quântica (as leis que governam as partículas microfísicas). Ele diz que essas leis possibilitam tais eventos. Será que a gravidade e as leis físicas do quantum são o "nada"?

As atuais declarações de Hawking são semelhantes àquelas que ele fez em sua "Brief History of Time" (Uma Breve História do Tempo), onde ele tentou insinuar que o universo veio do nada porque as pesquisas sugerem que as energias positivas e negativas do universo contrapesam umas às outras. A gravidade, que é uma força de atração, é compreendida como "energia negativa", e o movimento expansivo do universo é visto como "energia positiva".

É claro que se você somar um número negativo e um número positivo cujos valores absolutos sejam iguais, você obtém zero, mas e daí? Será que deveremos concluir que pelo fato de que essas duas variáveis totalizam nada, que tiveram sua origem no nada, ou talvez que nem mesmo existam porque se cancelam reciprocamente? Nesse caso, como é que alguém poderia colocá-los como termos na equação em primeiro lugar? Hawking nunca se importa em responder a questões básicas como essa, ao que tudo indica esperando que sua audiência ingênua e solidária não as pergunte.
Ciência seletiva?

Enquanto faz uso seletivo de teorias novas e não comprovadas para defender seus argumentos, Hawking convenientemente se esquece de mencionar que a interpretação mais comumente aceita da física quântica tem uma tendência de drasticamente minar a posição dele. Essa interpretação é conhecida como a Interpretação de Copenhagen (IC), popularizada por Niels Bohr, físico ganhador de Prêmio Nobel. A IC pressupõe que as partículas realmente não existem até que sejam observadas - elas só existem de um modo potencial, como probabilidades. Aliás, se adotarmos a postura ultra-empírica que Hawking está adotando, em que percepção e realidade são ingenuamente igualadas, essa é a conclusão mais lógica que podemos tirar da moderna física quântica, que usa probabilidades para lidar com opções espinhosas entre precisão de nosso conhecimento sobre a locação e momentum das partículas.

Contudo, se for verdade que as partículas não existem até serem observadas, então os próprios seres humanos não existiriam. Portanto, o universo inteiro só existiria se um observador não físico de fora do universo estivesse fazendo com que ele existisse. Esse é um dos motivos por que alguns físicos que inicialmente adotaram a IC por se encaixar em sua cosmovisão empírica recuaram dela. Eles não gostam das conclusões para as quais ela tende a levá-los. O observador não físico de fora do universo, fazendo com que o universo existisse por meio da observação, parece-se muito com Deus.

O que não é de causar surpresa é que Hawking rejeitou a IC em favor de outra interpretação menos popular chamada a interpretação de "muitos mundos". De acordo com a própria resenha de Hawking acerca do livro, ele aplica essa interpretação de física quântica como se fosse algo que flui da própria ciência, em vez de ser uma suposição que não possui comprovação (e que atualmente não dá para se provar) rejeitada por grande parte dos físicos. Ele então usa essa teoria irreal, que afirma que todo evento quântico gera novos universos alternativos onde se realizam todas as possibilidades, para rejeitar o forte princípio antrópico, que argumenta que a sintonização e ajustes precisos do universo indicam a existência de um Criador. Hawking argumenta que com tantos mundos paralelos, um deles está sujeito a ser favorável à vida, de modo que não se fazem necessárias maiores explicações.

Ciência natural versus filosofia e religião


Entretanto, os erros no pensamento de Hawking vão muito mais fundo do que as incoerências e especulações em seu uso da física moderna. Eles implicam interpretação incorreta fundamental acerca das diferenças entre as ciências naturais e as ciências da filosofia e teologia. Embora as ciências naturais possam dar respostas para perguntas sobre a natureza precisa de objetos físicos e sua conduta, elas não podem responder a perguntas sobre as origens do próprio mundo físico, que é uma área tratada pela teologia, religião e filosofia metafísica.

A verdade é que Hawking publicamente caracteriza seu novo livro como um desafio para a própria filosofia, afirmando que a física moderna é capaz de responder a todas as questões tratadas pelas ciências filosóficas, tornando essas ciências obsoletas.

O absurdo e arrogância de tal afirmação são imediatamente óbvios quando se considera que a física e outras ciências físicas não têm a realidade não física como sua matéria de estudo. A física estuda as coisas físicas. Ela não estuda conceitos puramente abstratos de acordo com sua natureza, como as ciências formais da lógica, matemática e geometria - que são ironicamente ciências de que a física depende. Portanto, a física não pode nos dizer sobre a origem de todas as coisas físicas, o que levaria a uma esfera extrafísica fora de sua própria esfera de competência.A incrível ingenuidade e ignorância de Hawking acerca da natureza da filosofia e sua relação com as ciências naturais ficam evidentes quando se lê sua obra "A Brief History of Time" (Uma Breve História do Tempo), que comete disparates vergonhosos sobre Aristóteles, chegando a afirmar que ele negou a validade dos sentidos (ele é famoso por afirmar o contrário). No entanto, a ignorância aparentemente total de Hawking sobre filosofia também o leva a erros surpreendentes em raciocínio, os quais inspirariam pena no leitor se não fosse pelo fato de que ele nunca será obrigado a prestar contas por tais erros.

Hawking e seus simpatizantes querem atribuir o início do universo às leis físicas, enquanto ignoram a questão de sua fonte. Uma lei é um conceito, um princípio, não é uma coisa física. Como é que tais leis existem sem um legislador? Como é que existem conceitos sem uma mente para concebê-los? Nesse caso, onde e como eles existem? Será que estão flutuando por aí no éter dos mitos e fábulas?

Mais problemática é a própria existência de coisas que não existem por sua natureza. Não há nada necessário sobre as leis da física conforme as achamos, nem os objetos físicos de nosso universo e suas propriedades. Podemos conceber de um número infinito de universos possíveis, cada um com seu próprio conjunto de leis, objetos e condições internas. Então, por que é que esse universo existe e não outros? Se outros existem, porque existem em vez de não existirem? Isso é conhecido na filosofia como problema da casualidade, e esse é um problema para o qual a física não consegue nem dar respostas iniciais. As coisas finitas de nosso mundo não existem por alguma necessidade interna. Portanto, elas devem depender de outra coisa para sua existência, e no final das contas todas as coisas devem depender de um ser que existe por sua própria natureza, que existe por si mesmo. Os cristãos, os judeus, os muçulmanos e outros chamam esse ser de Deus.

Outros problemas filosóficos surgem com a crença de Hawking em eventos "espontâneos", sem causa. Embora o princípio de incerteza de Heisenberg, o qual é um elemento fundamental da física quântica, requeira que os cientistas usem teorias de probabilidade e "casualidade" quando criam modelos matemáticos do mundo físico, isso não se converte automaticamente na conclusão de que o mundo é em realidade metafisicamente acidental, sem propósito.

A casualidade é um conceito sem sentido se não tiver uma função de probabilidade pré-existente para defini-la, junto com regras e objetos aos quais se aplica. Além disso, a própria casualidade é só um jeito de se lidar com a falta de conhecimento completo sobre um conjunto de circunstâncias, muito parecido com quando lidamos com um jogo de baralho que foi embaralhado. A ideia de que o mundo poderia ser produto de alguma "casualidade" no princípio e não tem causa fundamental é absurda à primeira vista, e agride violentamente a natureza da própria ciência, que é o estudo das causas e princípios. Se a existência do universo pode ser "casual" e sem causa, então qualquer evento que ocorre dentro dele também pode ser "casual" e sem causa, o que eliminaria completamente a ciência, e a capacidade de entender de forma racional o mundo em que vivemos.

O pensamento de Hawking representa o sintoma típico da arrogância acadêmica que muitas vezes predomina no mundo acadêmico, principalmente entre físicos e outros profissionais das ciências naturais, que se esquecem de que suas respectivas áreas são, afinal, limitadas. As ciências naturais de forma particular parecem atrair grande número de pessoas que se convencem de que só existe a realidade física, apesar do imenso edifício de argumentos que foram levantados contra tal cosmovisão durante mais de 2.300 anos pela filosofia e pela teologia. Eles estão muitas vezes trabalhando sob os tipos mais primitivos de erros filosóficos, principalmente o empirismo, uma doutrina há muito refutada que sobrevive apenas na mente ingênua de cientistas que, se não fosse por esses erros, seriam brilhantes, cuja visão míope do mundo os leva a grandes realizações em seus próprios campos, e ao mesmo tempo os leva ao fracasso total quando tentam responder às grandes perguntas da vida.

Jane Hawking, ex-esposa de Stephen Hawking a quem ele deixou para se casar com sua enfermeira mais jovem, provavelmente explicou melhor quando disse acerca de seu marido: "Stephen tem o sentimento de que pelo fato de que tudo se reduz a uma fórmula racional e matemática, que deve ser a verdade. Ele está investigando profundamente esferas que realmente importam para as pessoas que pensam e que, de um modo, podem ter um efeito muito preocupante sobre as pessoas - e ele não tem competência para isso".

Infelizmente, esse físico brilhante e filósofo incompetente provavelmente terá um efeito muito preocupante em nossa sociedade já confusa, a menos que outros físicos mais responsáveis levantem a voz. Vamos esperar que o façam.



Tradução: Julio Severo

Fonte: http://noticiasprofamilia.blogspot.com

Veja também este artigo original em inglês: http://www.lifesite.net/ldn/viewonsite.html?articleid=10090704

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Vício consagrado

Por Olavo de Carvalho | 28 Junho 2010


RESUMO: O grosso do público não tem a mais mínima idéia das técnicas de engenharia social que, de uns trinta anos para cá, se substituíram maciçamente às normas do bom jornalismo.


A afetação de neutralidade superior, especialmente quando se quer impingir à platéia opiniões arriscadas e mentiras cínicas, é a essência mesma do "estilo jornalístico". Os "grandes jornais" deste país praticam-no com destreza tal que a maior parte de seus leitores, tomando a forma pelo conteúdo, acredita seguir a razão e o equilíbrio no instante mesmo em que vai se acomodando, pouco a pouco, anestesicamente, às propostas mais dementes, às modas mais escandalosas, às idéias mais estapafúrdias.

Quando a Folha, quase vinte anos atrás, começou a promover discretamente o gayzismo sob a inócua desculpa mercadológica de que os gays eram também parte do público consumidor, quem, entre os leitores, poderia imaginar que com o decurso do tempo essa gentil atenção concedida a uma faixa do mercado se converteria numa estratégia global de imposição do homossexualismo como conduta superior, inatacável, sacrossanta, só rejeitada por fanáticos e criminosos? Quem, aliás, tem a paciência e os meios intelectuais de examinar as mudanças progressivas e sutis da linguagem de um jornal ao longo de vinte anos? No começo, o processo é invisível porque seus primeiros passos são discretos e aparentemente inofensivos. No fim, é invisível porque sua história se apagou da memória popular. A lentidão perseverante é a fórmula mágica das revoluções culturais.

É verdade que o grosso do público não tem a mais mínima idéia das técnicas de engenharia social que, de uns trinta anos para cá, se substituíram maciçamente às normas do bom jornalismo. Não há uma só faculdade de jornalismo no Brasil que tenha escapado à influência das doutrinas "desconstrucionistas", segundo as quais não existe verdade objetiva, nem fato, nem relato fidedigno - há apenas a "vontade de poder" e, conseqüentemente, a "imposição de narrativas". Notem bem: não se trata de impor "opiniões", julgamentos de valor. Trata-se de modelar a seqüência, a ordem e o sentido dos episódios narrados, de tal modo que sua simples leitura já imponha uma conclusão valorativa sem que esta precise ser defendida explicitamente. É a arte de fazer a vítima aceitar passivamente, de maneira mais ou menos inconsciente, opiniões com as quais, numa discussão aberta, jamais concordaria. Antigamente os jornais buscavam ser neutros e objetivos nas páginas noticiosas, despejando nas seções editoriais as opiniões candentes, a retórica exaltada, as campanhas empolgantes. Hoje os editoriais são todos escritos num mesmo estilo insosso, diplomático, sem cor nem sabor, porque as opiniões que se deseja impingir ao público já vêm embutidas no noticiário, onde gozam do privilégio - e da eficácia - dos ataques camuflados. No Brasil, todo estudante de jornalismo, mesmo quando incapaz de conjugar um verbo ou atinar com uma regência pronominal, sai da faculdade afiadíssimo nessa arte. Não porque a tenha "estudado" - o que suporia uma discussão crítica incompatível com a natureza mesma dessa prática --, mas justamente porque teve de exercê-la para passar de ano, sem discuti-la, de tal modo que seu sucesso escolar depende de sua docilidade em consentir com o embuste até o ponto em que deixe de percebê-lo como embuste. Então ele está pronto para usá-lo contra os leitores sem ter qualquer suspeita de estar lhes fazendo algum mal.

É por isso que a "grande mídia", hoje em dia, já não vale absolutamente nada como forte de informação, e continuar a consumi-la como tal é apenas um vício consagrado, fundado no prestígio residual de um jornalismo extinto.



Disponível em: http://www.midiasemmascara.org/artigos/desinformacao/11187-vicio-consagrado.html