quarta-feira, 13 de junho de 2012

SOBRE TERNOS, ENIGMAS E EROTISMO

Por Roberto Pompeu de Toledo

Os ternos, primeiro. Ninguém os ostenta tão finos, em toda a República, como o advogado e ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos. Numa terra em que a regra é o guarda-roupa mambembe, e para a maioria o valor da roupa não vai além da comezinha função de cobrir a nudez, o ex-ministro é uma destacada exceção.

Imagine-se um salão de Brasília, de São Paulo ou do Rio, em que os presentes estivessem com o rosto coberto. Só pelo impecável corte do terno, e ainda pelo colarinho, ou pelo rigoroso nó da gravata, seria fácil adivinhar: ─ “Ah. esse só pode ser o ex-ministro Márcio Thomaz Bastos!”. O apuro no vestir tem sua correspondência nos modos do ex-ministro: cordial, articulado, fleumático.

TODO RÉU TEM DIREITO A UM ADVOGADO. SEM DÚVIDA, MAS ESTE ADVOGADO?

Pois todo esse acervo de cuidado e elegância no momento mobiliza-se em favor do bicheiro Carlos Cachoeira. Fica bem, para Márcio Thomaz Bastos, atender tal cliente? Fica mal? Fica bem, para o país, ter um antigo ministro da Justiça sentado ao lado da figura central do maior escândalo do ano, a zelar, na CPI, para que o pupilo se mantivesse calado? Ficaria bem, para um ex-ministro da Justiça na Itália, ter um chefe mafioso como cliente?

A justificativa-padrão é que todo réu tem direito a um advogado. Sem dúvida, mas este advogado?

Resta a suspeita de malversação de terno, de colarinho, de nós na gravata, de bons modos, de sabença jurídica e mesmo, quem sabe, da dignidade da República.

O ENIGMA CACHOEIRA

O enigma, agora. Já que deputados e senadores não se mostram dispostos a debruçar-se sobre as falcatruas atribuídas a Carlos Cachoeira, poderiam inquiri-lo sobre sua infância, os sonhos de adolescente, os amores.

A essas questões talvez ele respondesse, e isso ajudaria na decifração do enorme, crucial enigma que nos põe esse personagem: afinal, o que queria ele? Aonde queria chegar? Carlos Cachoeira, segundo o apurado até agora, herdou um ponto do bicho do pai, que por sua vez o tinha recebido do campeão do jogo do bicho carioca, o falecido Castor de Andrade.

CACHOEIRA PARECE QUERER IR ALÉM DE COMANDAR UMA ESCOLA DE SAMBA. UM IMPÉRIO, TALVEZ?

Pois bem. A ambição de um bicheiro, normalmente, não vai além de comandar uma escola de samba. Carlos Cachoeira mirou mais alto. Duplicou os negócios ilegais com os legais. Estabeleceu-se na indústria farmacêutica e, ao que tudo indica, na empreita de obras públicas. Ao longo do caminho, embrenhou-se entre os políticos.

O bicheiro tradicional também recruta políticos, mas não mais do que para proteger suas atividades de contraventor. Cachoeira queria mais. A rede de políticos a seu serviço sugere um aparato de infiltração nas estruturas do Estado. As vantagens econômicas daí decorrentes são evidentes. As portas se abrem para negócios em que o Estado é o grande comprador, como a indústria farmacêutica e a empreita.

Mas isso ainda não é tudo. Talvez até seja o de menos. As gravações da Polícia Federal indicam um gosto extremado por essa substância menos palpável, que é o poder. Cachoeira vinha bem nesse quesito. O governador de Goiás, num telefonema, chama-o de “liderança”.

O senador Demóstenes Torres, em muitos, trata-o de “professor”. Nas conversas, os políticos soam como empregados, ou como reverentes vassalos.

Mas Cachoeira ainda não estava satisfeito. Numa das gravações, trata com um assessor da compra de um partido político. Há muitos à venda no país, e ele só não fechou negócio porque considerou o preço alto.

Sobra a questão: por que quereria um partido político?

Essa questão se desdobra em outra: aonde pretendia chegar? E esta em outra ainda: aonde chegaria, caso seu caminho não fosse cortado pelas investigações? Uma aposta razoável é que acabaria imperador do Brasil.

ABANDONANDO-SE AO REGAÇO DA SENSUALIDADE

O erotismo, por fim. A mensagem do “não se preocupe, você é nosso e nós somos teu” enviada pelo ex-líder do governo Cândido Vaccarezza ao governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, do PMDB, foi muito comentada por dois motivos.

Primeiro, por desnudar o toma lá dá cá pelo qual um partido não deixará o outro em apuros, na CPI do Cachoeira, desde que o outro não deixe o um.

Segundo, pelo claudicante português com que o deputado acabou largando o pobre “teu” ao desamparo de um singular.

Faltou chamar atenção para a carga erótica da mensagem. Não é senão num estado em que se adivinham a entrega e o desejo que alguém se joga ao outro dizendo-o “nosso”, e declarando-se “teu”. Presidencialismo dito de coalizão é isso.

Os casamentos que lhe são inerentes, para ser casamentos de verdade, só se abandonando ao regaço da sensualidade.

___________________________________________________________

Fonte:

http://veja.abril.com.br/blog/ricardo-setti/politica-cia/roberto-pompeu-de-toledo-sobre-ternos-enigmas-e-erotismo/

sábado, 2 de junho de 2012

Povinho ruim

Por Patrícia Melo

Fico me perguntando se o Brasil possui um político como Bismark, na Alemanha; Churchill, na Inglaterra; ou o Marquês do Pombal, em Portugal?


Em certo momento de “O Caminho da Liberdade”, magnífico romance do escritor austríaco Arthur Schnitzler, o personagem Heinrich admite sua capacidade de entender todos os mortais, sejam eles batedores de carteira, sejam donos de hotel ou reis. Sua dificuldade, ele diz, é com o político que esconde sua essência atrás de “títulos, abstrações e símbolos”.

Segue-se uma discussão interessante entre Heinrich e Nurnberger – outro personagem igualmente fascinante do livro – em que basicamente se diz haver dois tipos de políticos (ou nenhum, conforme se verá): o primeiro, composto por homens de negócios, impostores ou aduladores; e o segundo, formado pelos “ativos... ou geniais”. Explica-se que este segundo tipo também não era formado por políticos “no fundo do seu ser”, mas por verdadeiros artistas, que “buscariam criar uma obra, e uma obra que por princípio reivindicava tanta imortalidade e caráter quanto qualquer outra obra de arte”. Sua matéria-prima seria a própria humanidade.

Mais adiante conclui-se que a política é o elemento mais “fantástico no qual os homens podem se mover”.

Fico me perguntando se o Brasil possui na sua imensa galeria de políticos que nos lideram há séculos alguém que se encaixe no segundo perfil de Schnitzler. Um político como Bismark, na Alemanha; Churchill; na Inglaterra; ou o Marquês do Pombal, em Portugal? Alguém que, conforme diria Maiakovski, pudesse conversar “sobrancelha com sobrancelha” com Lenin ou Thomas Jefferson? Gostaria de estar errada, mas creio que jamais fomos abençoados com essa sorte. Nossos melhores – só para citar os que me ocorrem: Joaquim Nabuco, Rui Barbosa e o Barão do Rio Branco – tornam-se pálidas figuras diante dos grandes políticos da história mundial.

Certamente tivemos e temos políticos éticos; políticos bem-intencionados, que deixaram um legado mais ou menos importante, que contribuíram oportunamente (mas ainda assim contribuíram) ou tomaram liderança na luta por mudanças políticas importantes, que conquistaram benefícios sociais, mas político genial – no sentido schnitzleriano – este, eu ficaria feliz se o leitor me lembrasse de algum nome que injustamente eu possa ter esquecido.

Parece que estamos historicamente condenados ao primeiro tipo. E agora, quando pela primeira vez o Brasil atinge uma posição econômica de visibilidade aqui fora, os tais homens de negócio, aduladores e impostores aperfeiçoaram-se de tal forma que absurdamente podem também ser considerados artistas. São verdadeiros gênios da corrupção, da perfídia e da falta de ética, que transformam nossa política no que Schnitzler chama de “o elemento mais fantástico no qual os homens podem se mover”. Puro absurdo.

É difícil explicar o que se passa no Brasil para o europeu entusiasmado com o país que ele vê na capa do “The Economist”, com o Cristo Redentor, tal qual um foguete, sendo projetado para os píncaros da glória.

Na verdade, é como se houvesse um grande descompasso entre nossa realidade pujante e promissora e a classe política brasileira, que, ao contrário do País, parece ainda estar com o pé fincado na lama do passado e do retrocesso. (Não quero ser injusta: claro que há exceções. Tem que haver. Mas essas não deveriam estar mais indignadas? Mais ativas? Mais engajadas numa luta ética?)

Talvez seja exatamente esse descompasso que explique por que nosso crescimento tão alardeado não se reflita em conquistas sociais e culturais. Talvez nosso crescimento seja uma ilusão, uma bolha, ou mesmo um mero crescimento estatístico, conforme acreditam alguns.

É um processo longo, explica-me um amigo cientista, três vezes indicado para o Nobel. Uma vez iniciado um processo democrático, ele explica, demora-se em média três gerações para se mudar a cultura da corrupção de um país. Ainda teremos de esperar um pouco. Tomara que ele esteja certo. Meu único temor é que ele não conhece o Brasil. Nem os políticos brasileiros. Eta povinho ruim!

____________________________________________
FONTE:

http://www.istoe.com.br/colunas-e-blogs/coluna/207055_POVINHO+RUIM+