quarta-feira, 29 de setembro de 2010

PEÇA INFANTIL

Por Luiz Fernando Veríssimo.


QUEM ASSISTE A UMA PEÇA INFANTIL, COM AQUELAS CRIANÇAS TÃO ENGRAÇADINHAS, NÃO SABE DOS APUROS QUE A PROFESSORA PASSA PARA DIRIGIR OS ATOREZINHOS...


A professora começa a se arrepender de ter concordado (“Você é a única que tem temperamento para isto”) em dirigir a peça quando uma das fadinhas anuncia que precisa fazer xixi. È como um sinal. Todas as fadinhas decidem que precisam, urgentemente, fazer xixi.
-Está bem, mas só as fadinhas – diz a professora. – E uma de cada vez! Mas as fadinhas vão em bando para o banheiro.
-Uma de cada vez! Uma de cada vez! E você, onde é que pensa que vai?
-Ao banheiro.
-Não vai não.
-Mas tia...
-Em primeiro lugar, o banheiro já está cheio. Em segundo lugar, você não é fadinha, é caçador. Volte para o seu lugar.

Um pirata chega atrasado e com a notícia de que sua mãe não conseguiu terminar a capa. Serve uma toalha?
-Não. Você vai ser o único de capa branca. È melhor tirar o tapa-olho e ficar de anão. Vai ser um pouco engraçado, oito anões, mas tudo bem. Por que você está chorando?
-Eu não quero ser anão.
-Então fica de lavrador.
-Posso ficar de tapa-olho?
-Pode. Um lavrador de tapa-olho. Tudo bem.
-Tia onde é que eu fico?
É uma margarida.
-Você fica ali.

A professora se dá conta de que as margaridas estão desorganizadas
-Atenção, margaridas! Todas ali. Você não. Você é coelhinho.
-Mas o meu nome é Margarida.
-Não interessa! Desculpe, a tia não quis gritar com você. Atenção, coelhinhos. Todos comigo. Margaridas ali, coelhinhos aqui. Lavradores daquele lado, árvores atrás. Árvore, tira o dedo do nariz.

Onde estão as fadinhas? Que xixi mais demorado.
-Eu vou chamar
-Fique onde está, lavrador. Uma das margaridas vai chamá-las.
-Já vou.
-Você não, Margarida! Você é coelhinho. Uma das margaridas. Você. Vá chamar as fadinhas. Piratas, fiquem quietos.
-Tia o que é que eu sou? Eu esqueci o que sou.
-Você é o sol. Fica ali que depois a tia... Piratas, por favor!

As fadinhas começam a voltar. Com problemas. Muitas se enredaram nos seus véus e não conseguem arrumá-los. Ajudam-se mutualmente, mas no seu nervosismo só pioram a confusão.
-Borboletas, ajudem aqui – pede a professora.

Mas as borboletas não ouvem. As borboletas estão etéreas. As borboletas fazem poses, fazem esvoaçar seus próprios véus e não ligam para o mundo. A professora, com ajuda de um coelhinho amigo, de uma árvore e de um camponês, desembaraça os véus da fadinha.
-Piratas, parem. O próximo que der um pontapé vais ser anão.

Desastre: quebrou uma ponta da lua.
-Como é que você conseguiu isso? – pergunta a professora sorrindo, sentindo que o seu sorriso deve parecer demente.
-Foi ela!

A acusada é uma camponesa gorda que gosta de distribuir tapas entre os seus inferiores.
-Não tem remédio. Tira isso da cabeça e fica com os anões.
-E a minha frase?

A professora tinha esquecido. A Lua tem uma fala.
-Quem diz a frase da Lua é, deixa ver... o relógio.
-Quem?
-O relógio. Cadê o relógio?
-Ele não veio.
-O que?
-Está com caxumba.
-Ai, meu Deus. Sol, você vai ter que falar pela Lua. Sol, está me ouvindo?
-Eu?
-Você, sim senhor. Você é o Sol. Você sabe a fala da Lua?
-Me deu uma dor de barriga.
-Essa não é a frase da Lua.
-Me deu mesmo, tia. Tenho que ir embora.
-Está bem, está bem. Quem diz a frase da Lua é você.
-Mas eu sou caçador.
-Eu sei que você é caçador! Mas diz a frase da Lua! E não quero discussão!
-Mas eu não sei a frase da Lua.
-Piratas, parem!
-Piratas, parem. Certo.
-Eu não estava falando com você. Piratas, de uma vez por todas...

A camponesa gorda resolve tomar a justiça nas mãos e dá um croque num pirata. A classe é unida e avança contra a camponesa, que recua, derrubando uma árvore. As borboletas esvoaçam. Os coelhinhos estão em polvorosa. A professora grita:
-Parem! Parem! A cortina vai se abrir. Todos a seus lugares. Vai começar!
-Mas, tia, e a frase da Lua?
-“Boa noite, Sol.”
-Boa noite.
-Eu não estou falando com você!
-Eu não sou mais o Sol?
-É, mas eu estava dizendo a frase da lua. “Boa noite, Sol.”
-Boa noite, Sol. Boa noite, Sol. Não vou esquecer. Boa noite Sol...
-Atenção, todo mundo! Piratas e anões nos bastidores. Quem fizer um barulho antes de entrar em cena, eu esgoelo. Coelhinhos nos seus lugares. Árvores, para trás. Fadinhas, aqui. Borboletas, esperem a deixa. Margaridas, no chão.

Todos se preparam.
-Você não, Margarida! Você é coelhinho!

Abre o pano.



Fonte: VERÍSSIMO, Luiz Fernando. Festa de Criança. São Paulo. Ática. 2000.

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