quinta-feira, 7 de outubro de 2010

NOVAS TECNOLOGIAS E O DIREITO: ALGUNS PROBLEMAS RELACIONADOS AO O USO DA VIDEOCONFERÊNCIA NO PROCESSO JUDICIAL.

POR BELCORÍGENES DE SOUZA SAMPAIO JÚNIOR
maio de 2006.


A atual realidade tecnicista de um mundo cada vez mais informatizado é inegável. Em plagas da vida cotidiana já não conseguimos conceber a subsistência sem as nossas ferramentas tecnológicas como telefone celular, computador, aparelhagem de áudio, vídeo, etc. Muitas destas tecnologias já se incorporaram definitivamente na nossa vida pessoal e profissional.

Fruto de uma constante guerra mercadológica, o progresso tecnológico tem ao seu dispor, além de um óbvio marketing da utilidade, os grandes meios de comunicação propagandista. Disto resulta que dentro de uma órbita de consumo capitalista, estamos sempre a espera da próxima novidade ou do próximo salto tecnológico. Em mundo carente de ideologias duradouras parece que a ânsia consumista se reserva no papel de ilusória miragem de um saciado bem estar.

A intricada rede industrial e comercial hodierna, devorando recursos naturais para produzir bens, empregos e lucros parece nos ter conduzido a um paradoxo modo de vida autodestrutivo. Já não sabemos porque consumimos tanto e tudo. A questão mesma é: consumimos para viver ou vivemos para consumir. Neste sentido a expressão “sonho de consumo” é bastante significativa.

Antes de tentar construir um discurso antípoda com relação ao “progresso tecnológico”, o que tentamos é situar o problema que verdadeiramente nos interessa aqui, a questão da informatização jurídica. De fato muitas são as benesses de se viver em um mundo informatizado. Não se pode negar que o incremento tecnologista nos proporciona grande conforto e facilidades de produção intelectual e científica, isto sem mencionar as novas e grandes dimensões de lazer e prazer. Acreditamos também que na maioria das vezes a tecnologia informática é uma boa aliada das iniciativas de organização racional, celeridade e eficiência.

Nesta breve reflexão, porém, queremos destacar alguns aspectos que julgamos inconvenientes no tocante ao uso da videoconferência em seara processual. Sobre este assunto temos ouvido e lido sobre as grandiosas vantagens em sua aplicação. Conhecemos também algumas clássicas objeções ao assunto, no que não reclamamos nenhum mérito de originalidade nesta abordagem, mas tão somente intentamos reacender alguns questionamentos que julgamos pertinentes.

Perfeitamente assimilada já pelo meio judicial, o uso da videoconferência encontra razoáveis fundamentos de ordem legal, política, econômica, etc. No plano jurídico positivo, na Espanha, está amparada em diversos diplomas e dispositivos, destacando-se os artigos 230 da lei Orgânica do Poder Judicial, como também o artigo art. 229.3 da mesma lei a partir da vigência da Lei Orgânica 13/ 003, como também os artigos 306, 325 y 731 da Lei de Enjuiciamiento Criminal;

As outras e principais vantagens que se costuma apontar como justificativas para o uso da videoconferência são:

a) Economia de tempo e dinheiro;
b) A falta de necessidade de deslocamentos pessoais;
c) Melhor organização do trabalho;
d) Maior eficiencia dos resultados.

Os principais âmbitos destacados para a aplicação desta tecnologia são:

a) As declarações e interrogatórios de testemunhas, peritos, processados e menores;
b) As cooperações judiciais nacionais e internacionais.

LESSIG, falando sobre a dimensão existencial do ciber espaço afirma que: “EL CIBERESPACIO ES UM LUGAR. LÁ GENTE VIVE EN ÉL. ALLI EXPERIMENTAN TODOS LOS TIPOS DE COSAS QUE EXPERIMENTAN EN EL ESPACIO REAL”1 . Ato contínuo tece considerações sobre a ambivalência existencial do internauta que exerce a sua conduta bidimensional de maneira concomitante no mundo real e no mundo virtual.

O que queremos neste instante ressaltar é o fato de que a imagem projetada na tela de um computador em um bate papo internáutico, por exemplo, apesar de existir enquanto uma realidade fática acontece em um espaço específico de existência diferente do mundo real. Este lugar é o “ambiente ou universo virtual” e como tal é regido por uma estrutura própria, sujeita a regras diferentes daquelas existentes no mundo real. Ainda LESSIG: “LOS TEÓRICOS DEL CIBER ESPACIO HAN ESTADO TRATANDO TODAS ESTAS QUESTIONES DESDE EL MISMO NACIMIENTO DEL NUEVO ESPACIO, PERO TODAVIA ESTAMOS EMPEZANDO A ASUMIRLO COMO UNA CULTURA. AÚN ESTAMOS COMENZANDO A OBSERVAR LA ENORME IMPORTANCIA DE LA ARQUITECTURA DE LOS ESPACIOS...”2 . Por fim, argumenta sobre o domínio ou propriedade destas estruturas, o que nos faz ver e refletir claramente sobre as possibilidades de manipulação e controle do ciberespaço e, por assim dizer, no ciberespaço.

Sem precisar adentrar em velhas e desgastadas discussões sobre as imprecisões semânticas ou hermenêuticas que o conteúdo das declarações de testemunhas, peritos e partes podem sofrer em uma transmissão através de videoconferência, pois acreditamos que tal situação se dá também em uma circunstancia presencial, queremos abordar mesmo alguns aspectos margeantes, porém relevantes, envolvidos nestas questões. Sem preocupação de estar dando azo a eventuais teorias de conspiração, o que queremos é levantar algumas considerações que julgamos relevantes dentro da nova liturgia processual que se propõe efetuar via videoconferência.

Passada a euforia inicial que faz surgir declarações apaixonadas sobre o uso desta tecnologia, do tipo: “EL USO DE LA VIDEOCONFERENCIA PERMITE LA TOTAL CONEXIÓN EN LOS PUNTOS DE ORIGEN Y DESTINO COMO SI ESTUVIERAN PRESENTES EN EL MISMO LUGAR, CON LO QUE SE DA CUMPLIMIENTO A LA PREMISA DE QUE SE CELEBRE LA ACTUACIÓN JUDICIAL EN UNIDAD DE ACTO”3 , precisaremos discutir alguns aspectos fáticos sobre o impacto desta dimensão estrutural de realidade virtual, sobre os cânones processuais convencionais.

Sabedores que somos que a jurisdição oficial se reveste como a única legitimada para a solução regular dos litígios em um Estado de Direito, proibida a vindita privata, não podemos desconsiderar que as garantias e os princípios processuais históricos são construções jurídicas indeléveis e necessárias para a construção da verdade processual, seja ela substancial ou formal. Dentro da dimensão da litigância processual, cabe ao juiz apurar a “verdade” dos fatos estabelecendo um juízo cognitivo sobre os acontecimentos trazidos ao seu justo arbítrio. Neste sentido, não podemos desconsiderar que o entorno das filigranas processuais é um rico caldo cultural em que se bebera o magistrado em seu cabedal decisório. O face to face, da inquirição pessoal não produz somente, para o juiz, um amontoado de palavras concretas a serem transcritas em papel. Ao contrário, as reações mínimas do depoente, os gestos, as sudoreses, os tiques, os desgastes, etc, vão conformando o convencimento judicial sobre a questão em julgamento. Acreditamos que tal riqueza fática desaparece por completo com o advento da videoconferência em audiências.

Uma outra dimensão do problema pode se dar no terreno da influencia de fatores exógenos no lídimo atuar investigativo do juiz. Não obstante ao insistente discurso de que as operações de colheita de provas por meio de videoconferência são realizadas com a segurança necessária para refletir a verdade das declarações prestadas, queremos considerar que NADA substitui a segurança de um depoimento presencial. Quando acentuamos esta declaração queremos destacar que a manipulação, ou mau funcionamento, de alguns mínimos fatores tecnológicos pode ocasionar irreparáveis, porém imperceptíveis, prejuízos processuais. Qualquer iniciado em tecnologia de imagens eletrônicas sabe que a simples perda de nitidez pode ocasionar um grande esforço extra do aparelho ótico humano causando, como conseqüência, mal estar e irritação na assistência, incluído o juiz.

“...NO ES IMPOSIBLE QUE SE PRODUZCAN ANOMALÍAS COMO LAS SIGUIENTES: CAMPO REDUCIDO DE IMAGEN, QUE PRODUCE TOMAS ESTÁTICAS QUE CANSAN LA ATENCIÓN; IMPERFECCIONES DE LA GRABACIÓN, QUE HACE NO SE CAPTE CON SUFICIENTE NITIDEZ LAS EXPRESIONES O GESTOS DEL PERITO, O MÁS GRAVE AÚN, LOS DATOS NUMÉRICOS U OTROS ASPECTOS DE LA PRUEBA, QUE EN CONDICIONES NORMALES SON COMPROBADOS «DE VISU» POR EL PROPIO TRIBUNAL, AL ACERCARSE EL DOCUMENTO, OBJETO, UTENSILIO ETC., A LOS MISMOS ESTRADOS; ASINCRONÍA SONIDO E IMAGEN, CON EL PROBLEMA DE NO PODER TENER UNA IMPRESIÓN VALORATIVA CORRECTA DEL LENGUAJE VISUAL QUE ACOMPAÑA AL LENGUAJE ORAL DEL PERITO; DIFICULTADES DE ÉSTE PARA APERCIBIRSE DE LAS REACCIONES DE LA SALA, EL PÚBLICO O LAS PARTES, A SU DECLARACIÓN Y COMENTARIOS, ETC”4.

Poderíamos também acrescentar questões mais complexas como as que envolvem mensagens subliminares sonoras, orais e gestuais, tão conhecidas e debatidas nos estudos de psicologia e comunicação, com fartas provas de existência e eficiência. Também questões de ordem de manipulação de dados através de sabotagem nos programas usados, podem se aduzidas. A manipulação, dependendo da dimensão dos interesses envolvidos, pode ser gerada, inclusive, a partir dos satélites de transmissão das imagens.

Já sob um prisma interno, ou judicial, do problema podemos destacar a evidente vulneração dos princípios processuais da imediação e da publicidade. O primeiro pelo seu próprio caráter ontológico já fundamenta a nossa afirmação. Alegações falaciosas sobre pontuais exceções porventura existentes, como no caso de leitura declarações de testemunha falecida, não servem para obstar este princípio da sua ordem regular de aplicação. As ações a que se reservem a necessidade do sigilo processual podem ser irreparavelmente comprometidas através de sabotagens no processo de envio e recebimento das imagens e sons, o que se torna perfeitamente crível quando sabemos que para a consecução de uma operação de videoconferência exige-se uma grande participação de pessoas e técnicos.

A nossa preocupação no que se refere a esta temática se dá em um momento onde uma profunda alteração conceitual e doutrinária se opera no campo jurídico-político em todo o mundo. Lamentavelmente, ao tempo que encontramos alegres adesões ao universo da informatização jurídica, encontramos também uma perda coletiva das capacidades críticas de uma crescente maioria de operadores do direito sobre estas questões:

“ (...) SOSTIENE (SARTORI) QUE LA VIDEO-POLÍTICA, CON LAS VIDEOS-ELECCIONES Y LOS VIDEO-ACONTECIMENTOS, HA AUMENTADO LA DISTANCIA ENTRE LA INFORMACIÓN Y LA COMPETENCIA COGNOSCITIVA (...) LA LLAMADA REALIDAD VIRTUAL EN UNA IRREALIDADE QUE SE HA CREADO CON LA IMAGEN Y QUE ES REALIDAD SÓLO EN LA PANTALLA, AMPLÍA LAS POSSIBILIDADES DE LO REAL PERO NON SON REALIDADES”5 .

As transformações político-sociais que assistimos hodiernamente nos indicam a ocorrência de uma grande alteração, para pior, no modelo jurídico atual. Recentemente, os jornais espanhóis assinalavam a observação do primeiro ministro inglês Tony Blair, de que o conceito tradicional de liberdades civis se tornou obsoleto.6 Acrescentando a este caldo autoritarista a política de supressão de direitos civis norte americana e o endurecimento das teocracias no oriente médio, por exemplo, não fica difícil enxergar, em um exercício de prenuncio do “sinal dos tempos” (o que BOBBIO chama de “história profética”7 ) de um ataque global ao conceito de Estado de Direito levando a rodo, também, as garantias processuais.

“EM UN MUNDO INTERDEPENDIENTE, EN EL SENO DE SOCIEDADES INTERCONECTADAS, LA GARANTIA DE LOS DERECHOS CÍVICOS, SE HALLA EN DIRECTA CONEXIÓN, PARA BIEN O PARA MAL, CON LOS PROCESOS QUE DEFINEM SU INSTALACIÓN TECNOLÓGICA... SE TRATA DE LOGRAR QUE LOS DESARROLLOS TECNOLÓGICOS NO MENOSCABEM NI SE ALCANCEN A COSTA DE LAS LIBERTADES CÍVICAS ”8.

Estamos convencidos que em um espaço de atuação cada vez mais marcado pela tecnologia nos cabe indagar se em seara da solução judicial de conflitos, não deveríamos estar mais atentamente antenados com o esboço ideológico entronizado pelos donos da produção tecnológica. Talvez a “fuga para o mundo real” seja a segurança que precisamos no processo judicial. Uma tabela de custos menores ou um simples raciocínio de conveniência não deve ser motivo para riscos ou tergiversações com os direitos e garantias fundamentais.

Acreditamos que ainda muitas outras questões poderiam ser levantadas no que se refere a este delicado tema, e que o uso de tal tecnologia no processo deve ser urgentemente melhor debatida. Não obstante o caráter “útil” da videoconferência, e o fato mesmo da sua já comprovada difusão em seara de cooperação judicial internacional, sugerimos que a sua aplicação seja restrita aos casos de TOTAL impossibilidade de realização de audiência presencial.

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1 - LESSIG, Lawrence. El código y otras leyes del ciberespacio. Trad. Ernesto Alberola. Madrid: Santillana, 2001, p., 348.
2 -Idem, p., 27
3 - MAGRO SERVET, Vicente. Experiencias de un juicio celebrado por videoconferencia. En: Revista de Derecho Penal Procesal y Penitenciario, abril 2004, n.º 04.
4 - URBANO CASTRILLO,Eduardo de. La prueba pericial videográfica. En: Revista de Derecho Penal Procesal y Penitenciario, abril 2004, n.º 04.
5 - BELLOSO MARTIN, Nuria. Nuevas tecnologias: Proyecciones sociales, iusfilosóficas y políticas. En: Estudios Jurídicos Sobre la Sociedad de La Información y Nuevas Tecnologias. Burgos: UBU, 2005, p. 158.
6 - LA VANGUARDIA. La elección entre libertad y seguridad centra el debate intelectual en los comicios ingleses. Miércoles, 03 de maio, 2006, p. 08
7 - NORBERTO BOBBIO. A era dos direitos. São Paulo: Elsevier, 2004, p. 221.
8 - PÉREZ LUÑO, Antonio-Enrique. Internet y la garantía de los derechos fundamentales. En: Estudios Jurídicos Sobre la Sociedad de La Información y Nuevas Tecnologias. Burgos: UBU, 2005, p. 14.

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