quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

SOBRE OS FILHOS




TEXTO DE AFFONSO ROMANO DE SANTANA


Há um período em que os pais vão ficando órfãos dos seus próprios filhos. É que as crianças crescem independentes de nós como árvores tagarelas e pássaros estabanados. Crescem sem pedir licença à vida. Crescem com uma estridencia alegre e, às vezes, com alardeada arrogância. Mas não crescem todos os dias de igual maneira. Crescem de repente.

Um dia sentam-se perto dê você no terraço e dizem uma frase com tal maturidade que você sente que não pode mais trocar as fraldas daquela criatura. Onde é que andou crescendo aquela danadinha que você não percebeu? Cadê a pazinha de brincar na areia e o primeiro uniforme do maternal?

A criança está crescendo num ritual de obediência orgânica e desobediência civil. E você está agora ali, na porta da discoteca, esperando que ela não apenas cresça, mas apareça! Ali estão muitos pais ao volante, esperando os filhos de cabelos longos e soltos. Entre Hambúrgueres e refrigerantes nas esquinas, lá estão nossos filhos com o uniforme de sua geração: incômodas mochilas da moda nos ombros. Ali estamos com os cabelos esbranquiçados. Esses são os filhos que conseguimos gerar e amar, apesar dos golpes dos ventos e das colheitas, das noticias, da ditadura das horas. E eles crescem meio amestrados, observando e aprendendo com os nossos acertos e erros. Principalmente com os erros que esperamos que não repitam.

Há um período que os próprios pais vão ficando órfãos dos próprios filhos. Não mais os pegaremos nas portas das discotecas e das festas. Passou o tempo do balé, do inglês, da natação e do judô. Saíram do banco de trás e passaram para o volante de suas próprias vidas.

Deveríamos ter ido mais à cama deles ao anoitecer para ouvir sua alma respirando conversas e confidências entre lençóis da infância e os quartos da adolescência cobertos daqueles pôsteres. Não os levamos suficientemente ao playcenter, não lhes demos suficientes hambúrgueres e cocas, não lhes compramos todos os sorvetes e roupas que gostariam os de ter comprado. Eles crescem sem que esgotássemos nele todo o nosso afeto.

Chegou o tempo em que viajar com pais começou ser um esforço, um sofrimento, pois era impossível deixar a turma. Os pais ficaram exilados dos filhos. Tinham a solidão que sempre desejaram, mas, de repente, morriam de saudades daqueles pestes. Chega o momento que só nos resta ficar de longe torcendo e rezando muito para que eles acertem nas escolhas em busca da felicidade. E que conquistem tudo do modo mais completo e possível. O jeito é esperar: qualquer hora podem nos dar netos. O neto é a hora do carinho ocioso e estocado não exercido nos próprios filhos e que não podem morrer conosco. Por Isso avós são tão desmesurados e distribuem tão incontrolável carinho. Os netos são a última oportunidade de reeditar o nosso afeto. Por isso é necessário fazer alguma coisa a mais antes que eles cresçam.

Aprendemos a ser filhos depois que somos pais. Só aprendemos a ser pais depois que somos avós ...



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2 comentários:

  1. Lindo, e acima de tudo real. Vamos repetir "só aprendemos a ser filhos, depois que somos pais e só aprendemos a ser pais, depois que somos avós"...É uma pena, mais é assim.

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