sábado, 7 de janeiro de 2012

SONHO NÃO!

Por Ricardo Boechat

Um amigo jornalista falava-me dia desses sobre o eterno duelo entre idade e sobrevivência profissional. De memória, listamos veteranos companheiros que estão por aí, à procura de um lugar ao sol nas redações. Entre um nome e outro, torcíamos com fé para que consigam voltar ao mercado... "A esperança é uma coisa muito boa; talvez a melhor delas", divagou Nilo, repetindo o bilhete deixado pelo fugitivo Andy Dufresne (Tim Robbins) para o também ex-presidiário Ellis Redding (Morgan Freeman), no filme "Um Sonho de Liberdade". A frase voltou quando a ISTOÉ me pediu este pequeno artigo sobre o que espero de 2012.

Ano-Novo sempre inspira projeções otimistas e fugir desse tom é atravessar o samba. Quem não gosta de Ano-Novo, definitivamente, bom sujeito não é. E tudo isso se deve à esperança, à necessidade humana de enxergar um amanhã melhor, sempre melhor. Mesmo assim, confesso que não lido bem com a esperança. Ela é a gêmea bem-intencionada da perversa ilusão. Enquanto esta frauda a realidade, engana sentidos e a inteligência, aquela expressa apenas algo positivo, desejado, mesmo que seja apenas nuvem. Ainda assim, admitamos todos, nenhuma data é tão propícia quanto o Ano-Novo à mistura nociva dessas duas irmãs de caráter tão distinto.

Podem conferir: nos votos que recebemos e, principalmente, nos que ouvimos – de autoridades, religiosos, misses... – as expectativas para o Ano-Novo vêm repletas de ilusões embrulhadas como esperança. É claro que todos queremos a paz mundial, o fim da miséria, a cura do câncer, a morte do Sarney. Mas a História mostra que isso é ilusão. Ainda assim, a cada dezembro somos massacrados pela mesma cantilena. Judeus e árabes ainda se matarão por muito tempo; fundamentalistas seguirão explodindo multidões; a fome continuará dizimando milhões e as guerras estarão entre nós por muitos séculos...

Sendo assim, não vou me iludir clamando aos deuses inalcançáveis por um 2012 melhorzinho. Apenas buscarei o possível, o palpável, na expectativa de melhorar ao menos a vida ao alcance de nossos olhos. Nada de querer do governo o fim da corrupção, do Judiciário transparência, da Chevron a verdade, do Pimentel a cabeça... É até covardia jogar tal fardo sobre os ombros de 2012.

Assim, meu pleito para o Ano-Novo é dirigido à Prefeitura de São Gonçalo, no Grande Rio. Ali, no Hospital Municipal Luiz Palmier, a dona de casa Maria Daiana Braga, 17 anos, perdeu seu bebê após esperar três dias por socorro adequado. Ela não quer o filho de volta, é claro. Mas apenas o prontuário médico sem informações falsas – como o que lhe foi entregue – para que possa ir à luta nos tribunais.

Será pedir muito para 2012?

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Fonte: Revista Istoé - 4 de janeiro de 2012, n. 2199, p. 75

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