segunda-feira, 17 de maio de 2010

O novo Império Mongol

por Olavo de Carvalho

10 de fevereiro de 2006



RESUMO: A imposição da sharia como lei obrigatória para a humanidade, com a supressão de todas as leis religiosas concorrentes, é uma das metas do imperialismo cultural islâmico, e com a ajuda de praticamente toda a elite ocidental, a luta por esse objetivo alcançou durante esta semana uma vitória formidável.



Se você escreve uma cartinha aos jornais contra a proibição das preces nas escolas públicas, contra peças de teatro que mostram um Cristo gay ou mesmo contra as matanças de cristãos na China, no Sudão e na Coréia do Norte, você é um fanático fundamentalista, um extremista de direita. Mas, se você ateia fogo em embaixadas e sai pelas ruas ameaçando matar meio mundo para mostrar quanto você odeia uma caricatura de Maomé publicada num pequeno jornal dinamarquês, você é um cidadão de bem no pleno uso do direito de protestar contra um insulto sacrílego.

Tal é o critério de julgamento que a mídia internacional acaba de impor à humanidade, com a aprovação explícita ou implícita de vários governos europeus, da ONU, do presidente George W. Bush e até "mas será o Benedito?" do Papa. A unanimidade mundial dos bem-pensantes contra o jornal dinamarquês brotou na mesma semana em que o Congresso americano está votando uma lei, "mais uma, na escalada da repressão anticristã inaugurada seis décadas atrás por Franklin D. Roosevelt", que suprime toda ajuda estatal para internação em asilo no caso de qualquer velhinho com Alzheimer que, nos cinco anos anteriores, tenha cometido o pecado de dar contribuição em dinheiro a alguma igreja, mesmo no montante de um dólar ou dois. Não consta que S. Santidade tenha protestado contra essa discriminação ostentiva, mas desenhar o Profeta, ah, isto o Vaticano não tolera.

O mais interessante no episódio é que as explosões de ódio antidinamarquês não foram suscitadas pelo conteúdo específico da charge, "que a rigor nada diz contra o Islã enquanto tal, apenas contra o terrorismo", e sim pelo simples fato de que ela mostre o Profeta Maomé, o qual pela lei islâmica só pode ser representado com o rosto encoberto.

Ao endossar a legitimidade do violento protesto muçulmano, a alta hierarquia católica está simplesmente forçando os fiéis da sua Igreja a obedecer o mandamento de uma religião alheia. De quebra, estende essa mesma obrigação aos protestantes, aos judeus, aos budistas, aos ateus e a tutti quanti . O Islã deve ser mesmo uma religião muito especial, já que suas leis não são obrigatórias só para os muçulmanos, mas para toda a humanidade.

O velho Império Mongol não reconhecia a existência de outros impérios ou de nações independentes. Na sua lei, só existiam duas áreas no mundo: as obedientes e as desobedientes. Estas não passavam de territórios mongóis provisoriamente rebelados, destinados a ser punidos e subjugados mais dia menos dia.

O Islã reconhece, oficialmente, a legitimidade de algumas outras religiões, entre as quais o cristianismo e o judaísmo. Mas esse reconhecimento se torna mero formalismo oco a partir do momento em que os fiéis dessas religiões já não podem decidir suas próprias ações de acordo com os mandamentos delas, e em vez disto se vêm obrigados a cumprir mandamentos islâmicos. Para o cristão não há nada de mau em desenhar o rosto de Cristo, nem para o budista em pintar uma imagem do Buda. Pelos critérios de suas religiões respectivas, não pode, portanto, haver erro ou crime em desenhar o profeta de uma outra religião. Mas quem disse que eles têm o direito de julgar isso de acordo com sua própria religião? Que sigam o Corão e não reclamem!

A imposição da sharia como lei obrigatória para toda a espécie humana, com a concomitante supressão de todas as leis religiosas concorrentes, é uma das metas mais óbvias do imperialismo cultural islâmico, ponta de lança do imperialismo político e militar. Com a ajuda de praticamente toda a elite ocidental, a luta por esse objetivo alcançou durante esta semana uma vitória formidável.



Publicado pelo Diário do Comércio em 09/02/2006

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